Como montar uma turnê de uma banda independente

Sair em turnê é duro, mas pode ser recompensador. A Lítera pode ajuda a pensar em qual o formato certo para você e sua banda. Acreditamos que uma das partes mais ambicionadas (e legais) pra quem tem banda é sair pra tocar em outra cidade. Uma das grandes propostas de todo esse rolê independente é essa: levar sua música pra lugares em que você nunca pensou em tocar, e, na outra ponta, possibilitar que pessoas de determinada cidade assistam bandas que, caso contrário, elas nunca conseguiriam ver.

A chave pra conseguir qualquer show e basicamente qualquer coisa no independente ou no mainstream é a mesma: contatos.

Ser artista é pensar sua carreira

É um tanto difícil pra quem entrou nesse mundo agora saber como tornar isso possível e todos os anos isso muda, tem as safras de festivais ou demando de artistas dentro de uma cena que vai favorecer isso. Pensar estrategicamente é também respeitar sua arte, seu esforço e o trabalho de todos os envolvidos.

É preciso dizer que entendemos “turnê” como desde um fim de semana de shows em outra cidade até uma gig por alguns estados. Isso aqui é faça você mesmo, não espere os outros, não se compare com outras bandas.

Por que sua banda deveria estar numa turnê?

Marcar turnês nacionais não faz mais sentido para artistas independentes mais jovens. O sr. Schellhardt sugere que, desde que surgiu a internet, as turnês não são mais o jeito mais importante para construir um fã-clube; você pode ganhar mais fãs pela internet e por redes sociais. Se você fizer turnês, ele escreve, tem de ir aonde seus fãs estão depois de usar “dados geo-específicos” coletados em redes sociais e que mostram onde estão as pessoas que entram nas suas páginas. Ele termina com o aviso “todas as bandas são diferentes, e o que funciona para uma pode não funcionar para a outra”.

Seguindo esse artigo, uma banda nova pode achar que não existe razão para cair na estrada e gastar um monte de dinheiro para tocar em casas de show e bares meio vazios de cidades pequenas, desde que ninguém mais ganha fãs dessa maneira. A maior parte desse cenário é verdadeiro, mas ele ignora a razão mais importante para novas bandas saírem em turnê, para começo de conversa: para sentir na pele o que é fazer uma turnê, se apresentar e ser uma banda de verdade. Bandas não deveriam entrar em turnê com a cabeça focada em ganhar fãs, mas sim para desenvolver as habilidades necessárias que você não vai ganhar só dando dedadas no seu iPhone e postando coisas para ganhar mais Seguidores e Likes.

Vale a pena gastar dinheiro para tocar em casas meio vazias em cidades pequenas por todo o país?

Perder dinheiro fazendo turnê é melhor do que economizar ficando em casa. Para novas bandas, aqui vão os reais ganhos de se fazer turnê, desconsiderando o fã-clube que você vai (ou não) ganhar na estrada:

Um prisma diferente. vídeo mostra os bastidores da turnê da Lítera por SP e MG

É importante entender aqui que Você Vai se Acostumar ao Ritmo de Fazer Turnê. Muito importante. Quando você faz turnê, dificilmente passa pela mesma cidade várias vezes no mesmo ano. Ia demorar quase 5 anos para uma banda conseguir uma legião de seguidores, a não ser que você mande muito bem nas primeiras vezes. Fazer turnê é caro; você vai à falência tentando ganhar fãs assim.

O motivo de verdade para fazer pequenas turnês por festivais, centros culturais é para absorver a experiência de trafegar por aí numa e fazer shows sempre. Conta aqui a experiência de dirigir o carro, descarregá-lo, ficar esperando por um tempão, ficar entediado, comer, montar o palco, fazer teste de som, ficar entediado de novo, se apresentar, empacotar as coisas, dirigir mais um pouco, dormir e repetir tudo isso. A turnê é o melhor teste de laboratório para mostrar se sua banda vai conseguir ficar junta o tempo suficiente. A maior parte das bandas termina porque os integrantes não conseguem passar o tempo inteiro juntos. Sua banda precisa também ter habilidades como dormir, comer, passar tempo juntos e não enlouquecer por estar com os companheiros 24 horas por dia, sete dias por semana. Essas habilidades só são ganhas com a prática, e não com estudo.

Tocar ao vivo é um ótimo treino

Tocar ao vivo várias vezes por semana em diferentes casas de show é uma parte enorme da evolução do seu som. Tu podia tocar na casa de shows local 5 vezes em 5 meses, e conseguir um total de tempo de palco de 3.75 horas. Ou você pode conseguir o mesmo tempo de palco tocando 5 shows em uma semana. Com apenas duas semanas de estrada, você tocou mais do que em um ano ficando em casa. Sim, você se aprimora na estrada. Você fica confortável como banda, você ganha gingando e melhora sua presença de palco. E os fãs nunca percebem quando você erra, de qualquer maneira, então não fique obcecado com o quão “amarrado” seu som está antes da turnê.

Qualquer coisa pode acontecer

Na estrada você vai, sem dúvida, conhecer outras bandas, fazer amigos e conseguir informações úteis sobre o mercado que não conseguiria na internet. Quem é o melhor promoter da cidade, que gerente de banda está procurando por um show de abertura, como tocar naquele festival etc. Além do mais, as gravadoras e os profissionais do mercado da música sempre procuram bandas que já sejam veteranos da batalha da estrada, e não porque eles sejam romancistas. Longe disso. Se você for sortudo o suficiente para assinar com uma gravadora, as pessoas desse selo precisam da segurança que sua banda consegue lidar com o stress da estrada sem romper. Porque, adivinha só, é exatamente isso que você vai fazer pelos próximos 36 meses da sua vida. Se é isso que você quer, melhor começar a se acostumar desde já e ver se você nasceu para essa vida.

Sim, é provável que você chegue em casa depois da sua primeira turnê falido e exausto. Não esquente. Você provavelmente gastou o mesmo tanto para ir para Porto Seguro na formatura e você está velho demais para ir para Porto Seguro hoje em dia. Além do mais, você se diverte enquanto ganha essa experiência válida. E quando sua vez chegar – abrir para uma grande banda, tocar em um festival –você não quer ser forçado a admitir que é a primeira vez que está na estrada. Você não vai conseguir simular isso para as bandas mais experientes, e vai perder o respeito delas.

Se você nunca fez uma turnê, faça. Se você quer se dar bem como banda, isso é um rito de passagem.

Dos contatos

Que tal usar essa ferramenta maravilhosa que é a internet pra conhecer pessoas que curtem o mesmo tipo de som que você? Lá é onde as coisas acontecem: basicamente todo mundo que agita as coisas no Brasil tá em um desses grupos de cena da música, e boa parte do público também. Fique ligado nos posts, saiba quem é quem, de onde as pessoas são e rapidamente você terá uma rede de contatos considerável.

Fora do mundo virtual: vá aos shows, troque ideia com as bandas, faça amizades. A Lítera marcava suas próprias turnês nacionais antes da internet existir, você também é capaz. Sim, você é.

Escolhendo a rota

Tudo depende de quanto tempo você quer/pode passar longe de casa e quantos shows quer fazer. Pra um fim de semana, o ideal é fazer de um a dois shows, sendo um na capital e outro em uma cidade próxima (em estados em que isso é possível, tipo São Paulo). Evite marcar dois shows no mesmo fim de semana na mesma cidade. Isso tende a dividir o público e prejudicar um dos eventos. Para excursões maiores, pense na semana de quinta a domingo. Com raríssimas exceções, segundas, terças e quartas-feiras costumam ser dias de viagem, descanso e lazer, já que é muito difícil armar show no meio da semana.

IMPORTANTE: existem lugares/rolês que só funcionam ou funcionam melhor em dias específicos. Converse com os promotores e tenha isso em mente na hora de pensar a logística da viagem.

O show

Você já conhece algumas pessoas de outros lugares e já sabe onde quer ir tocar. E agora, como é a negociação? Tem algum tipo de contrato? Vou receber cachê? A resposta é: DEPENDE. Existem diversos esquemas possíveis: muitas bandas tocam em outras cidades só pelo amor e diversão, sem se preocupar com a grana. Em outros esquemas, bandas e produtores combinam uma porcentagem da bilheteria, e há ainda bandas que só vão com a garantia de um valor fixo que cubra seus custos e/ou um cachê preestabelecido. É tudo uma questão de diálogo.

Lembrando: isso é faça você mesmo. É sempre de bom tom que quem organiza o show ofereça um lugar pra banda de fora ficar (ou ao menos se certifique de que a banda terá um lugar pra dormir). O mesmo vale pra alimentação.

Se você está em contato com uma pessoa que você nunca viu na vida, tenha certeza de checar tudo sobre ela — seja através de amigos em comum ou dos eventos que ela já organizou — e combine tudo com a maior clareza e antecedência possível.

Como ir?

É melhor ir de carro? De ônibus? De avião? Aqui vai o texto de prestação de contas da turnê “Sem sair na Rolling Stone” da Lupe de Lupe como bibliografia. LEIAM: http://www.lupedelupe.com.br/notiacutecias/turne-sem-sair-na-rolling-stone-a-prestacao-de-contas

“ Aí que entra a loucura e os maiores erros da turnê. Gostaria de deixar aqui claros e evidentes estes erros. Não devíamos ter ido pro nordeste de avião nem alugar carros lá pra fazer as viagens na região. Isso fez um rombo enorme no caixa da banda, que fez com que a gente saísse com um prejuízo de R$30 (trinta reais só, isso mesmo, da turnê da parte do nordeste). Devíamos ter ido com o nosso carro velho mesmo, com calma e tranquilidade. Aí sairíamos com um lucro bruto do nordeste. O aluguel de carros e o preço das passagens de aviões foi uma perda grandiosa.”

A questão é a seguinte: ir de carro é melhor e mais barato em 99% das vezes. É mais barato, você vai com calma, e se mais de um membro da banda souber dirigir vocês vão revezando. Avião é só para casos em que realmente não dá pra ir de carro, já que encarece enormemente a viagem (vide o texto da Lupe). Prefira tirar mais tempo pra viajar, indo de carro com calma, fazendo mais shows e curtindo melhor. Eu não recomendo a ninguém ir viajar com banda de ônibus, a não ser que seja para alguns translados entre um show e outro, e de preferência que te busquem na rodoviária de carro. É extremamente desgastante ter que se locomover pela cidade carregando equipamento. Evite, se possível.

p.s. se for de carro, POR FAVOR, TOME CUIDADO COM OS EQUIPAMENTOS. Já perdemos a conta de quantos músicos tiveram seus equipamentos roubados de dentro dos carros durante turnês/shows aqui no Brasil. NÃO DÊ MOLE.

Lista de contatos

Descubra e crie sua própria lista de contatos, ache cidades em que existem rolês dos quais nós não conhecemos, passe a palavra.

SAIBA QUEM É QUEM: não adianta pedir pra galera do noise organizar seu show de folk ou oferecer seu show de metal pra galera do indie. Tem produtores que trabalham com um leque mais eclético de eventos, outros não.

É isso. Vão tocar em outras cidades, chamem bandas de fora pra tocar na sua cidade, dirijam com cuidado, façam amigos e se divirtam. É razoavelmente sobre isso que todo esse rolê se trata.

(atualização) – WEBSÉRIE: Além da arrebentação EP 1 – Lítera l Portugal e França