Como eu virei gótico, trevoso e suave
Como eu virei gótico, trevoso e suave na adolescência. Participei de gangues. Pra sair pra pichar ou pra brigar nas saídas dos colégios. Vi um guri levando tiro do meu lado (nunca soube o que aconteceu com ele), cheguei a roubar bonés e objetos pequenos por pura rebeldia. Queria testar os limites, mas, ao mesmo tempo, tinha muito medo de desapontar minha família. Em casa eu era uma pessoa, na rua outra.
GÓTICOS DO SARANDI
Um dia, estava sentado na frente dos blocos do condomínio em que morava e vi passar um cara de uns 18 anos, todo de preto, de botas, sobretudo e olhos pintados. Aquilo me impressionou muito! Fui atrás dele pra tentar entender quem ou o quê ele era. Entrou dentro do bairro como se fosse um morador, mas era fácil reconhecer alguém de fora, ainda mais vestido assim. No Sarandi eram sempre as mesmas pessoas, ninguém de outro lugar vinha lá, mesmo os familiares/visitantes, até os carros a gente sabia de quem eram. Segui até ele entrar no “Beco do Luterano”, que ficava de costas pra uma escola. Lá, pichou num muro enorme: “Punk is not dead”, “Góticos do Sarandi” e desenhou um caixão com uma cruz. Fiquei chocado! E aquilo me mudou pra sempre.
Saí correndo pra casa sem ter coragem de comentar o que tinha visto, foi muito assustador.
Como era em inglês, eu não tinha noção do que ele tinha escrito lá, mas o caixão indicava que a coisa não era boa. E aquele cara todo de preto… tinha um mistério que me dava muito medo, mas também me instigava, eu não resistia a curiosidade de saber quem ele era. Voltava lá sempre, só pra ficar olhando pro muro. Ia escondido, porque não podia sair de perto dos prédios onde morava, era perigoso e os meus pais tinham me proibido. Um dia um amigo traduziu a frase pra mim. Agora eu sabia o que estava escrito, mas não entendia o que queria dizer. Inclusive a palavra “gótico” ninguém sabia o que significava, mas pra mim era alguma coisa a ver com noite e morte. Quando eu voltava do beco, sentia vergonha de olhar um quadro com a imagem de Jesus que tinha lá em casa, me dava muita culpa de estar gostando daquilo.
A MÚSICA DA RUA DO VALÃO
Naquele momento, as bandas inglesas começam a chamar a minha atenção. Tinham as mesmas insatisfações, vidas bem parecidas, eram jovens do subúrbio britânico. The Smiths, The Cure, Joy Division, Echo In The Bunnymen… elas pareciam retratar tudo aquilo que eu vivia com sua poesia, som. melancolia e fúria. Essas bandas do pós punk iriam influenciar o que mais tarde se tornaria a Lítera. A identificação com a estética, as letras, a sonoridade parecia dar um sentido pra tudo aquilo que eu sentia.
Eu ficava no cordão da calçada, perto da casa de um cara da rua do valão (Av. Sarandi), pra ouvir as músicas que eu não fazia a menor ideia de quem eram, e nem de como procurar, mas eu amava. E era The Cure.
O espaço da música sertaneja e do pagode dos anos 90, além das boy bands, era muito forte. Nesse momento se dava o começo do fim do rock nas mídias de grandes massas. Bandas como o Nirvana, RadioHead e Pixies fecharam a tampa desse caixão. No Brasil, o que viria depois seriam bandas de rock com elementos regionais, misturas, fusion e cada vez mais agradáveis pra mim, como Chico Science, Pato Fu, Los Hermanos… e eu tava amando isso.
(André)