Experiências fantásticas em Porto Alegre
Experiências fantásticas em Porto Alegre. Explorar narrativas com elementos misteriosos se tornou um bom recurso para chamar a atenção do público.
Catedral metropolitana de Porto Alegre, um dos pontos históricos apresentados no tour Poa Mal-assombrada| Foto: Renata Bencke.
Estimular a curiosidade e ofertar um passeio que mexa com sentidos, sentimentos, tradições e vivências é a melhor maneira de conquistar pessoas que buscam por experiências originais e extraordinárias.
Esse é o caso dos walk tours temáticos, passeios feitos a pé que vêm ganhando interesse do público em Porto Alegre com a proposta de atender quem busca novas experiências. Jaqueline Vargas, de 29 anos, descobriu o tour Poa Mal-assombrada pelas redes sociais. “Sempre me interessei por conhecer mais da cidade e, quando li a respeito do tour nos próprios comentários da página deles, achei que seria um passeio interessante. Ainda mais pela proposta de conhecer Porto Alegre sobre outra perspectiva”, diz ela. Jaqueline mora na Região Metropolitana de Porto Alegre, mas passa a maior parte do tempo na Capital, seja a trabalho ou nos momentos de lazer. “Costumo visitar os museus e tento participar de vários eventos na cidade. É a segunda vez que participo do tour, a primeira foi no ano passado ”.
André Neto, o Hernandez.
Um tour macabro
O tour Poa Mal-assombrada começou em 2019 a partir de um evento criado no Facebook. O projeto é administrado pelos sócios André Neto e Martina Mombelli, que criaram as caminhadas a partir de uma brincadeira. André, que é músico e compositor da banda Lítera, já fazia com seus amigos passeios por lugares considerados “macabros” na cidade. Para gerar engajamento para o novo disco que seria lançado naquele ano, Martina, que é responsável pelas redes sociais da banda, teve a ideia de organizar o evento pela rede social. “A Martina pensou em uns cinco blogueiros que poderiam nos ajudar na divulgação. Era pra ser um evento pra cinco pessoas. Fizemos meio que na brincadeira. Colocamos lá no Facebook ‘Porto Alegre Mal-assombrada’, que é o nome até hoje. Foi inacreditável, em meia hora tinha mil e oitocentas pessoas no evento. Nós tivemos que cancelar, pois não sabíamos o que fazer”, conta André.
Com isso, foram estabelecidos grupos de 50 pessoas para realizar o tour macabro pelo centro de Porto Alegre. As caminhadas eram feitas principalmente aos sábados e, às vezes, durante a semana. André relata que, no final daquele ano, eles começaram a profissionalizar as saídas, pois tinha muitas pessoas querendo participar. Mas, em 2020, quando surgiu a pandemia, tudo parou. Os passeios só voltaram a acontecer depois de um tempo. “Logo quando deu aquele primeiro impulso de ‘vamos sair de máscara’, e que já tinha vacinas, a galera voltou a fazer as coisas de forma coletiva. Fizemos grupos reduzidos e de máscara, mesmo com a vacina. E aos pouquinhos fomos voltando”.
André sempre foi apaixonado por Porto Alegre e pelas histórias que seu avô lhe contava. O roteiro do tour foi inspirado nessas histórias e em suas próprias pesquisas sobre crimes e acontecimentos sombrios da cidade. Um momento marcante para o músico foi quando seu tio lhe deu o livro O maior crime da terra, de Décio Freitas, que trata sobre os crimes ocorridos na famosa rua do Arvoredo, atualmente chamada de rua Coronel Fernando Machado. O assassinato de pessoas que tinham seus corpos transformados em linguiças, que eram vendidas em um açougue, ficou conhecido na cidade. “Aquilo pra mim foi um divisor de águas. Sei que a história é horrorosa, mas ao mesmo tempo ela é fascinante. É uma história que eu mesmo ‘na gringa’, nunca tinha encontrado com impacto tão forte. Tão absurdo e chocante que era aquele evento. E aquilo ser na minha cidade me marcou muito.” Nessa mesma rua fica localizado também o Café Mal-assombrado, que foi inaugurado durante o Halloween de 2022. O estabelecimento comercial também é administrado pelos sócios Martina e André, e conta com diversos elementos temáticos relacionados às narrativas do tour, como uma linha do tempo com os crimes da capital e alguns eventos místicos. A cafeteria também oferece drinks e alimentos que contribuem com a imersão neste universo de histórias macabras.
“O tour é uma experiência sensorial” , Catarina John, professora de língua portuguesa que participou da caminhada.
Todos os sete pontos percorridos durante o passeio fazem parte das histórias que eram contadas pelo avô de André. Inclusive a de José Ramos e Catarina Palse, da rua do Arvoredo. As datas e horários dos passeios são divulgados no site e redes sociais do Poa Mal-assombrada. E o tour é realizado durante a noite, começando no viaduto da Borges e terminando em frente a Basílica Nossa Senhora das Dores. O grupo é guiado por André, que propõe uma espécie de viagem no tempo. Em cada um dos pontos são contadas as histórias que ocorreram naquele local. “Quando eu levo as pessoas a caminhar, eu vou ouvindo, e elas vão ficando chocadas como se aquilo fosse algo distante. A ideia é reconhecer em si mesmo esse lado sombrio. É sobre as diversas pessoas que em determinado momento saem do seu eixo e são capazes de [fazer] qualquer coisa”, enfatiza. O tour possui também a versão kids, que é feita com uma linguagem mais suave para as crianças.
Para Cataria John, professora de língua portuguesa, de 25 anos, que participou da caminhada, o tour é uma “experiência sensorial”. Para ela, a ideia de voltar no passado faz com que se possa atravessar a cidade enquanto ela “atravessa” os participantes. Ela conta que estava realizando uma atividade com seus alunos do oitavo ano para conhecer Porto Alegre a partir das ilustrações da gaúcha Mari Froner, e isso despertou o seu interesse em conhecer melhor a Capital. “O tour é uma experiência que deve ser compartilhada e vivenciada por quem é da cidade. E quem não é, depois de viver essa experiência, passa a ser, passa a pertencer a esse lugar. É um projeto que valoriza a cidade e faz o público entender que o tempo passado está contido no tempo presente”, diz Catarina.
O guia já está formulando o próximo roteiro, com novos pontos, já tendo em mente alguns dos crimes que devem ser incluídos. “São dois crimes épicos na cidade, a tragédia da Rua da Praia e a enchente de 41, que vão ficar para ‘a saga continua’, uma versão dois do Poa mal-assombrada”, brinca.
Outras experiências lúdicas pela Capital
Com essa crescente demanda principalmente por parte dos porto-alegrenses, algumas iniciativas foram surgindo a partir dos anos de 2019 e 2020. A agência de turismo Viva+Poa surgiu em 2020 através de uma paixão compartilhada pelos guias turísticos Tamara Dias, 35 anos, e Evandro Costa, 28 anos. O nome da empresa faz uma analogia com a ideia de promover mais vivências pela Capital. Dentre os diversos passeios oferecidos pela agência está o walk tour temático de lendas urbanas de Porto Alegre. A caminhada conta com encenações teatrais que proporcionam uma visualização deste mundo lúdico relatado pelas fábulas e crimes cometidos na cidade. “ O que eu acho interessante é como os tours despertam memórias afetivas nas pessoas”. diz Tamara. A partir dessas vivências a agência cria atividades que estimulem os sentidos e sentimentos.
Já para Larissa Philomena, 31 anos, que é publicitária e proprietária da Casa da Bruxa Philomena, a procura por fugir da realidade faz com que as pessoas busquem por algo que as proporcione uma imersão no mundo lúdico. Larissa, que é fã de Harry Potter desde os 11 anos, explica que teve ideia da criar uma casa que promovesse a experiência mágica do mundo dos bruxos depois de uma viagem que fez para a Disney em 2015. Ela conta que criou um canal no Youtube sobre a série de fantasia e descobriu que existia um grande público que gostava do tema. A casa temática, localizada no bairro Cidade Baixa, também em Porto Alegre, foi inaugurada em 2019 durante o Halloween. A acomodação conta com livros, DVDs e objetos fantásticos inspirados em Harry Potter, que fazem parte da coleção pessoal de Larissa. “Você passa pela porta e é uma imersão no mundo da magia, é como sair da sua realidade”, diz ela sobre o espaço disponível para locação no Airbnb. “ Às vezes eu escuto ‘esse foi o melhor dia da minha vida’ de algumas crianças que visitam a casa. E é muito legal receber esses feedbacks”, conta Larissa.
Para Maria Lucia Badejo, jornalista formada pela Ufrgs e também guia de turismo na Badejo Experiências Culturais, a internet contribuiu para que a relação dos consumidores com os negócios fosse mais direta. “A palavra ‘experiência’ é algo que está muito ligada a esse novo tipo de turismo. As pessoas hoje querem experiências diferentes. Querem autenticidade, conviver, conhecer o lugar onde elas vão, caminhando e interagindo com as pessoas. É ai que entra o grande diferencial”, afirma a especialista.
Por Renata Marques Bencke.
Reportagem produzida para a disciplina de Fundamentos da Reportagem do curso de Jornalismo da FABICO/UFRGS.