O mistério do príncipe do Bará
O “Príncipe Negro” ou Príncipe Custódio de Xapanã é uma das mais importantes e controversas personalidades dentro da formação e estruturação da religião afrosul, denominada Batuque do Rio Grande do Sul, praticada sobretudo nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina (além de outros estados em menor proporção) e também em países como Argentina e Uruguai, para onde este culto migrou através de seus sacerdotes.
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NOVO ÁLBUM DA LÍTERA
A figura de Custódio, é sempre associada ao povo Fon (Jeji) e a ele se atribue a vertente Jeji/Jeje-Glefe/Jeje-Nagô, praticadas nas liturgias do Batuque, e os Voduns que fazem parte do mesmo. No entanto é uma precipitação atribuir esta personalidade como sendo um Fon/Daomeano, ou mesmo dizer que ele foi o responsável pela estruturação do culto de alguns Voduns no Batuque (que nesta religião não tem um culto exatamente organizado e que são cultuados segundo a cultura yorubá, na forma de “qualidades de Orixás”).
O Príncipe Custódio de fato era africano, mas não daomeano
Trata-se de um dos príncipes da dinastia do povo Bini ou Edo, habitantes do antigo Reino de Benin, localizado a sudoeste da antiga cidade de Ifé (hoje, Lagos), na atual República da Nigéria.
Osuanlele Okizi Erupê, Príncipe do Benin, conhecido no Brasil como Príncipe Custódio, radicado em Porto Alegre em 1901
Monumento ao Bará
O Monumento ao Bará é um marco religioso que está sob o teto do Mercado Público. Entre as versões históricas ligadas à sua criação, está a vinda de um Príncipe africano que teria, mais tarde, relação direta com o local.
Rodeado de mistérios e contradições, em 1901, o Príncipe José Custódio Joaquim de Almeida desembarcou em Porto Alegre, trazendo consigo cerca de 40 pessoas, incluindo esposa e filhos. Acredita-se que ele deixou a África quando seu país – hoje, República de Benin – foi ocupado pela Inglaterra. Ao chegar no Brasil, fez passagem pela Bahia e Rio de Janeiro, até chegar em Rio Grande, por orientação dos orixás.
jogo de búzios
Sua personalidade era ligada à fama de curandeiro e líder religioso, tanto que sua vinda para Porto Alegre se deve a doença do presidente do Estado, Júlio de Castilhos, que o procurou para na tentativa de curar um câncer na garganta. Ao mesmo tempo, ele era considerado um babalorixá, figura proeminente na estrutura das religiões de matriz africana. Promovia consultas aos orixás, através do ifá – jogo de búzios -, atende pessoas necessitadas, promove culto as divindades, em cerimônias de batuques de chegam a durar 3 dias.
Embora não se tenha certeza, todavia acredita-se que o assentamento do Bará nasceu a partir de um ritual comandado pelo Príncipe Custódio. Ninguém sabe quando isso aconteceu. Ainda existe uma versão paralela com muitos seguidores entre as lideranças afro-religiosas, que atribui o assentamento não ao Príncipe, mas aos escravos que trabalharam na construção do prédio.
O Príncipe Custódio morreu em 26 de maio de 1935, aos 104 anos.
O assentamento do Bará continua vivo com as forças dos eventos religiosos, se tornando um símbolo dentro do Mercado Público. A tradição assegura que, com o Bará, o Mercado está das energias ruins que podem passar por ali.
O Príncipe Custódio e a Religião Afro-Gaúcha
Maria Helena Nunes, antropóloga que pesquisa a vida de Custódio há mais de 30 anos, tem convicção de que ele era um descendente direto do trono do Reino de Benin. Autora da dissertação O Príncipe Custódio e a Religião Afro-Gaúcha, defendida em 1999, Maria Helena realizou seu trabalho a partir de relatos orais de descendentes, cruzando os testemunhos com pesquisa bibliográfica histórica e documentação recolhida no Brasil e na Nigéria.
Osuanlele Okizi Erupê
Para ela, na África Custódio se chamava Osuanlele Okizi Erupê e era filho do obá (equivalente a rei) Ovonramwen Nogbaisi. Osuanlele era um dos organizadores da resistência dos nativos à tentativa de dominação do Império Britânico. Em 1897, os estrangeiros realizaram um massacre na região, tomaram o poder e o exilaram em Calabar.
Serafina de Souza Almeida, neta de CustódioTadeu Vilani / Agencia RBS
Segundo relatos e documentos recolhidos por Maria Helena, um acordo foi firmado para que a ofensiva de violência fosse estancada: Osuanlele deveria abandonar a região, recebendo uma pensão mensal do governo britânico para se manter longe.
A queda do império
De fato, o Império se deu conta de que não conseguiria manter o poder sem o apoio do obá e de seus familiares, tanto é que a monarquia local foi restabelecida anos mais tarde, em 1914, com apoio das forças colonialistas, dessa vez com o obá Eweka II, irmão de Osuanlele.
– Osuanlele foi educado como um príncipe herdeiro de um trono. Foi estudar na Europa, permaneceu muito tempo em Londres, mas também passou por França e Alemanha – assegura Maria Helena.
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Depois do acordo com os britânicos, Osuanlele teria se exilado no Porto de Ajudá. Foi por isso que ficou conhecido como Príncipe de Ajudá. De lá, teria sido guiado de modo sobrenatural para o Brasil: foi a partir do jogo de búzios que escolheu o destino mais seguro para recomeçar a vida, contando já quase 70 anos de idade.
Faltam documentos que deixem claro o vínculo entre Osuanlele e Custódio, apesar dos relatos dos descendentes do príncipe e de outros entrevistados por Maria Helena serem coerentes entre si sobre o tema.
De qualquer maneira, jornais de época também reforçam a ideia de que Custódio falava inglês e francês com fluência, e um dos obituários cita o fato de que ele buscava mensalmente no consulado da Inglaterra uma subvenção paga pelo governo estrangeiro.
A boa condição financeira e a cultura refinada de Custódio, aliada a sua cor de pele escura e alta estatura, fez com que ele se tornasse uma figura exótica em Porto Alegre. Os indícios apontam que o africano foi logo bem aceito pela alta sociedade local. Autoridades circulavam por sua casa com frequência – são vários os relatos recolhidos por Maria Helena que citam Júlio de Castilhos (1860–1903), Borges de Medeiros (1863–1961) e José Gomes Pinheiro Machado (1851–1915) como visitas recorrentes.
– As elites não reparavam na cor de Custódio. É óbvio que existia preconceito à época. Mas um negro com dinheiro era visto como um branco – avalia Maria Helena.
Não era apenas para ouvir conselhos com base na rica bagagem cultural e experiência de vida de Custódio que a elite porto-alegrense o procurava. Custódio era também tido como uma autoridade espiritual, um guia com grandes poderes de prognosticar o futuro.
O economista Marcus Vínicus, bisneto do príncipeTadeu Vilani / Agencia RBS
– Meu avó às vezes falava do nada: “Pode abrir a porta que Fulano está chegando aí, cheio de problemas”. E não é que, minutos depois, aparecia o Fulano, sem ter avisado ninguém? Cresci ouvindo esse tipo de história – conta Serafina de Souza Almeida, neta de Custódio.
A religião movia os passos do príncipe. Segundo os relatos, foi por meio da fé nos búzios que o africano chegou ao sul do Brasil – búzios, aliás, feitos de pedras preciosas.
A família, no entanto, argumenta que o antepassado não fazia das práticas ritualísticas um meio de vida, como o fazem hoje muitos babalorixás. Ele apenas jogava para as pessoas mais próximas.
– A casa dele não ficava aberta para qualquer um consultar. Eram apenas os amigos de convívio mais íntimo que o visitavam ocasionalmente para pedir aconselhamento. Mas, em datas comemorativas, fazia grandes festas abertas para a comunidade – afirma Serafina.
Príncipe Custódio também deixou marcos importantes para a consolidação da religião de matriz africana em Porto Alegre. Em diferentes pontos do Centro Histórico, deixou assentamentos de orixás, ou seja, pontos que representariam a ligação da realidade com forças sobrenaturais. O mais popular deles é conhecido como Bará do Mercado Público, que atualmente está representado por uma escultura no piso central do prédio histórico, frequentemente ocupado por pais e mães-de-santo – a localização da escultura é simbólica, pois o local exato do assentamento foi mantido em segredo por Custódio.
Mercado Público
Além do Mercado Público, ficaram conhecidos assentamentos no Palácio Piratini, na Igreja das Dores e no antigo Patíbulo da Rua dos Andradas.
– O Mercado simboliza a riqueza, a fartura. Já o Piratini e a Igreja das Dores são representações do poder político e religioso. Era uma maneira de Custódio assegurar a estabilidade para o governo de Borges de Medeiros – explica Maria Helena.
O Patíbulo, área da Rua dos Andradas que ficava nas imediações entre a Praça Brigadeiro Sampaio e o Comando da 3ª Região Militar, teria sido o local do enforcamento do primeiro negro em Porto Alegre – anos mais tarde, ficou provado que o homem era inocente.
Os relatos também apontam que o legado de Custódio para a religião afro-gaúcha vai além de Porto Alegre. A corte com 48 pessoas que acompanhava o príncipe era chamada de conselho de chefes e acabou por se dissolver depois da morte de seu líder. Muitos desses chefes se espelharam pelo interior, levando consigo às cidades de várias regiões gaúchas a cultura dos orixás.
Quem foi Príncipe Custódio
O Príncipe Negro
Vindo da tribo pré-colonial de Benis, dinastia de Glefê, da nação Jeje, do estado de Benin, na Nigéria, o lendário Príncipe Custódio do Xapanã Sakpatá Erupê foi um dirigente tribal africano, exilado no Brasil, onde se tornou famoso como curandeiro e líder religioso. Seu nome tribal era Osuanlele Okizi Erupê, filho primogênito do Obá Ovonramwen. Ao chegar ao Brasil, adotou o nome de José Custódio Joaquim de Almeida, Príncipe de Ajudá (1832-1936).
São João Batista de Ajudá
São João Batista de Ajudá era uma fortaleza portuguesa no Daomé, tendo sido descoberta pelos portugueses quando navegavam na costa da Guiné. Era a capital do antigo Reino de Daomé, edificado numa vasta planície outrora muito povoada de cristãos negros. O rei Dom Pedro II de Portugal mandou construir a referida fortaleza a fim de proteger o importante comércio que então os portugueses faziam na Costa da Mina. Foi ocupado pelos Ingleses, que ali estabeleceram importantes feitorias, que passaram a ser defendidas pelas guarnições das fortalezas antes pertencentes a Portugal, entre as quais a de São João Batista de Ajudá.
Daomé foi colônia de vários países que se estabeleceram ao longo de seu território à margem do Atlântico, mas em 1876 a Grã-Bretanha terminou a ação que iniciara alguns anos antes, comprando toda a parte dos demais ocupantes, tornando, então, a Costa do Ouro inteiramente de propriedade dos ingleses, os quais também tiveram de entrar em acordo com os reis e príncipes negros que lá governavam. Desta determinação britânica resultou a deportação de um rei africano, que somente em 1934 teve autorização para voltar a fim de passar sossegadamente o resto de seus dias na terra natal.
Com outros governantes foram feitos acordos financeiros por eles aceitos a fim de ser evitado o massacre do seu povo.
Entre estes estava o Príncipe de São João Batista de Ajudá, que deixou sua terra na Costa da Mina em 1862 quando tinha 31 anos de idade. Ninguém sabe como e em que circunstancias este príncipe governante deixou o Porto de Ajudá, que era perto da Costa do Ouro (hoje República de Gana), onde em algumas décadas anteriores, funcionava um dos principais locais de embarque de escravos para o Brasil, mas o certo é que ele partiu ante a promessa solene dos ingleses de que o seu povo não sofreria o que haviam sofrido os grupos vizinhos ante a violência dos alemães e franceses.
Os portugueses antes poderosos tinham se contentado com uma parte do Guiné e com as ilhas de São Tome e Príncipe, cedendo as suas fortalezas.
As condições para que o Príncipe de Ajudá não oferecesse qualquer resistência aos invasores, alem do respeito pela vida dos seus súditos, era a de que ele se exilasse e jamais voltasse aos seus domínios. E, como parte do convênio, a Grã-Bretanha se comprometia a fornecer-lhe uma subvenção mensal paga em qualquer parte do mundo onde estivesse, por intermédio dos seus representantes consulares. Por qual motivo o exilado escolheu o Brasil como sua nova pátria, não se sabe. Talvez por haver aqui grande número de descendentes dos escravos nativos da Costa da Mina, os chamados “Pretos Mina” ou outra razão qualquer. Sua chegada a nossa terra foi assinada como acontecida em 1864, dois anos depois de ter deixado Ajudá.
Batuque
Inicialmente, fixou-se em Rio Grande, mais tarde foi para o interior de Bagé, e já encontrou por lá rituais religiosos de origem africana, popularmente denominada de Batuque. Ele contribuiu sim, e muito para nossa religião, com seus contatos políticos, pois Custódio vinha de uma família nobre e sua saída da África foi política. Ele sabia como se destacar e fazia bom uso de sua sabedoria religiosa, o que ajudou a travar as perseguições às casas de culto africano e foi onde se tornou famoso como curandeiro e líder religioso.
De Bagé mudou-se para Porto Alegre, onde chegou em 1901, com 70 anos de idade.
O Príncipe Custódio tinha oito filhos, três homens e cinco mulheres. Seus conhecimentos de idioma português não eram muito corretos, porém podia expressar-se fluentemente em inglês e francês, além de falar ainda vários dialetos das tribos africanas que havia governado.
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NOVO ÁLBUM DA LÍTERA
As festas que promovia na data de seu aniversário duravam três dias com a casa sempre cheia de gente, de manhã à noite, quando se comia e se bebia do bom e do melhor, ao som dos tambores africanos que batucavam sem parar naquelas setenta e duas horas. Mensalmente o consulado britânico local entregava-lhe um saquinho cheio de libras esterlinas, cuja troca em mil-réis servia para manter a pequena corte da Rua Lopo, a família numerosa, os agregados, os empregados, e ainda serviam àqueles que o procuravam nos momentos de dificuldades financeiras.
No dia 26 de Maio de 1936 morreu o Príncipe Custódio aos 104 anos de existência.
Seu velório e seu enterro, atendendo ao pedido expresso do morto, foi feito dentro das tradições africanas com muito batuque e muitos trabalhos em intenção do morto.
Também foi Príncipe Custódio quem fez o assentamento do Bará no mercado público de Porto Alegre, onde todos os adeptos dos cultos africanos fazem reverência cada vez que terminam uma obrigação aos seus Orixás. Isso de certa forma indica que, se o mesmo não foi o introdutor do batuque em nosso estado, provavelmente tenha sido um dos primeiros.
Vida em Porto Alegre
Ao mudar para Porto Alegre, Custódio adquiriu uma casa próxima à região da Ilhota, atual Cidade Baixa. Essa informação é comprovada documentalmente, dentre os registros, sua certidão de óbito. O imóvel onde passou a residir localizava-se em uma região que era um dos redutos de resistência e coletividade da população africana e afro-brasileira na cidade desde o período da escravatura. Conforme Costa Silva eram realizados em sua residência, principalmente durante as comemorações de seus aniversários, grandiosos banquetes, com festejos que poderiam durar até três dias. Nessas celebrações havia o consumo de requintadas comidas e de licores e vinhos importados, fazendo-se presentes pessoas de diferentes segmentos sociais, com destaque à presença de políticos locais, entre eles o então governador do estado Borges de Medeiros. Fato que se justificava pelo prestígio que o príncipe possuía entre as camadas populares e que muito interessava aos anseios eleitorais dos políticos da época.
No terreno de sua residência Custódio realizava seus atendimentos e as cerimônias do culto aos Orixás, fato comum entre os praticantes dos ritos de origem africana.
Devido à perseguição que os praticantes sofriam, tais celebrações ocorriam principalmente nos domicílios dos líderes religiosos, e não em lugares públicos. Assim, a moradia tornava-se um local sagrado, destinado não apenas à habitação do babalorixá, mas sim como lugar de guarda e perpetuação do axé, fato comum até os dias atuais. Todos os elementos e construções do terreno onde ocorrem as cerimônias públicas e privadas são partes da sacralização do espaço, com destaque para o recinto onde há a guarda do orixá, o chamado “sento” ou assentamento, espaço onde se considera que o orixá está vivo e que interfere na organização do resto do terreno.
Pai Custódio e o Desenvolvimento do Batuque em Porto Alegre
Durante o período da escravatura no Brasil, foram trazidos africanos de distintos povos e culturas, cuja herança cultural passou pelo processo de sincretismo, principalmente no âmbito religiosos. Nesse processo os elementos religiosos originados na África foram mesclados com elementos da religiosidade católica, indígena e posteriormente do espiritismo kardecista, surgindo, assim, no solo brasileiro, uma religiosidade de matriz africana própria. Assim, as religiões de origem africana ou afro-brasileiras são resultantes de um contínuo processo que abrange tanto a conservação de elementos quanto a transformação da memória coletiva africana no Brasil. Essa dinâmica está marcada pelo contexto da realidade escravocrata, no qual os povos escravizados trouxeram junto à perda de suas liberdades, elementos próprios de sua cultura, que em solo brasileiro foram resinificados e rearticulados de acordo com a nova realidade.
No Rio Grande do Sul desenvolveu-se o que ficou conhecido como Batuque ou Nação
Expressão religiosa que mais se aproxima dos elementos da religiosidade puramente africana, centrando suas celebrações apenas no culto dos orixás. Os estudos e informativos da imprensa evidenciam que as primeiras casas de religião surgiram nas regiões de Rio Grande e Pelotas. Em Porto Alegre os periódicos fazem as primeiras notícias sobre o Batuque a partir da segunda metade do século XIX, Conforme Oro[2], seu surgimento na capital gaucha ocorreu com a migração de escravos e libertos oriundos do sul do estado. O termo batuque era dado às danças acompanhadas pela batida de tambores, realizado pelos escravizados e pelos libertos.
O culto do batuque é centrado na celebração dos doze orixás, sendo eles: Bará, Ogum, Iansã (ou Oiá), Xangô, Oba, Odé/ Otim, Ossanha, Xapanã, Oxum, Iemanjá e Oxalá.
A cada um deles são atribuídas características específicas, havendo uma correlação com elementos da natureza, símbolos, comidas e animais a serem ofertados através de sacrifícios específicos a cada Orixá. No Batuque há uma divisão em “lados” ou “nações”, estas relacionadas a antigas regiões ou reinos africanos. São historicamente divididas em Oyó, considerada como a mais antiga do estado, mas que na contemporaneidade possuis poucos representantes; Jeje, que tem na figura de Custódio seu maior desenvolvedor; Ijexá, Cabinda e Nagô, com predomínio atualmente do grupo Jeje-Ijexá.
O período da pós abolição foi o contexto em que Custódio ganhou notoriedade devido a sua liderança frente à religiosidade de matriz africana.
Os trabalhos religiosos realizados por ele eram requisitados por pessoas de todos os setores sociais, possuindo reconhecimento entre a elite, mas, ao mesmo tempo, estava disponível para ajudar os necessitados, principalmente entre a população de origem africana. O que aponta que Custódio enquanto sacerdote era o guardião dos saberes e das tradições dos cultos africanos, tendo sua palavra respeitada por todos que o procuravam independentemente da camada social a que pertenciam.
Pai Custódio
Sendo referido por muitos como “Pai Custódio”, prestava por vezes alguma forma de auxílio financeiro e acolhimento para os africanos e afrodescendentes que viviam na penúria ou que passavam por alguma dificuldade. Através da liderança religiosa do Príncipe Custódio essas pessoas encontraram os meios para consolidarem sua identidade sociocultural, perpetuando a cultura e religiosidade afro gaúcha.
Além disso, a casa de religião era o principal local em que essas pessoas encontravam os meios para solucionarem os mais diversos problemas que possuíam, e a ligação com o príncipe poderia ser a forma de obterem o auxílio necessário frente aos infortúnios que sofriam.
Seu maior prestígio deve-se aos trabalhos feitos enquanto sacerdote do batuque, sendo sua figura associada a diferentes assentamentos em locais distintos da cidade.
O assentamento de maior destaque seria o famoso sento do Bará do Mercado, entretanto este fato é discutível, visto que a construção do Mercado Municipal ocorreu muitos anos antes da vinda de Custódio para o Brasil, ainda na escravatura, e o assentamento do Bará teria sido feito pelos próprios escravizados que construíram o Mercado Público. Além do Bará do mercado, Príncipe Custódio teria feito mais seis assentamentos em diferentes lugares de Porto Alegre, o que totalizariam sete, o número deste orixá. Entre eles, teria um assentamento no Palácio Piratini, sede do governo gaúcho, para a proteção de Borges de Medeiros, com o qual o príncipe Custódio mantinha boas relações.
Entretanto não há consenso entre os batuqueiros sobre a localização destes assentamentos.
Há suposições de que se conheça apenas quatro deles. Os assentamentos devem ser protegidos pelo segredo, por isso não foram até hoje todos revelados. Um dos assentamentos pode estar no antigo patíbulo da Rua Praia (atual Rua dos Andradas), onde hoje está o prédio do Terceiro Exército. Outro também estaria perto à Igreja Nossa Senhora das Dores, que fica próxima ao antigo patíbulo.
O Reino de Benin e o Povo Edo
O Reino de Benim formou-se entre os séculos XII e XIII, onde tem sua História montada através das investigações arqueológias e também através dos mitos que envolvem sua fundação. Os mitos que envolvem a fundação de Benin, estão intimamente relacionados aos mitos de fundação de Ifé; Acredita-se que Ifé fora fundada por Odudua, um dos orixás da criação, a mando do deus supremo, Olorum. Benin, por sua vez, teria sido fundado por Oraniã, orixá das profundezas da terra e filho de Odudua.
A lenda sobre Oraniã ainda faz referência a um suposto filho que ele teve, Eweka, que teria sido o primeiro rei, ou Obá (nome adotado dos Yorubás), de Benin.
O fato é que o Reino de Benin contou, ao longo de sua trajetória, com poderosos Obás.
No século XV, um desses obás, Ewuare, promoveu intensas reformas no reino, transformando Benin em uma grandiosa potência subsaariana. A língua falada por este povo chama-se igualmente edo, aproximando-se a língua yorubá, e sua cultura também encontra-se atrelada a cultura do povo Yorubá.
Obá Ovonramwen de Benin e Osualele Okizi Erupé
Ovonramwen Nogbaisi (Obá de Benin, entre 1888-1897), também chamado Overami, foi o Obá (rei) do Reino de Benin até a expedição punitiva britânica de 1897.
No final do século XIX, o Reino de Benin ainda havia conseguido manter a sua independência com relação ao monopólio britânico. O território, no entanto, a muito estava sendo cobiçado por um influente grupo de investidores por seus ricos recursos naturais, como óleo de palma, borracha e marfim.
O reino foi em grande parte resistente ao controle britânico, e uma pressão contínua de figuras como o vice-cônsul britânico James Robert Phillips e Capitão Gallwey, que se empanhavam para a anexação britânica do Império Benim e a remoção do Obá Ovonramwen.
A força de invasão britânica chefiada por Phillips, foi estabelecida, para derrubar o Obá em 1896.
O plano de Phillips era ganhar acesso ao palácio de Ovonramwen, dizendo que queria fazer negociações. Mensageiros de Ovonramwen no entantp emitiram várias advertências para não violar a soberania territorial de Benin, alegando que o Obá era incapaz de ver Phillips naquele momento devido a deveres cerimoniais.
Tendo sido avisado em várias outras ocasiões no caminho, Phillips provocou o Obá, um insulto deliberado destinado a provocar o conflito que iria fornecer uma desculpa para a anexação britânica.
A expedição de Phillips no entando falhou e muitos de seus homens mortos.
Posteriormente, uma operação militar contra o Reino de Benin, em 1897, liderada por Harry Rawson resultou na queima da Cidade de Benin (capital do Reino) e na mortes de um número incontável de seus habitantes.
Embora os britânicos tivessem ordem para executar o Obá, Ovonramwen escapou, mas logo depois se rendeu, conseguindo fazer um acordo com os britânicos, que ele e sua família iriam se exilar. Ovonramwen foi exilado em Calabar com suas duas mulheres, e lá morreu em 1914.
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NOVO ÁLBUM DA LÍTERA
Segundo os relatos citados em muitas bibliografias que abordam o Batuque Afrosul, um dos filhos de Ovonramwen era Osuanlele, considerado por alguns como seu primogênito.
A Osuanlele é atribuida a figura de Custódio Joaquim Almeida (nome adotado no Brasil), o nome que ele teria adotado ao mudar-se para o Brasil, onde residiu até o final de sua vida na cidade de Porto Alegre/RS.
Um conflito na História
No entanto, apesar de a Custódio ser atribuido ser Osuanlele, o filho de Ovonramwen e por conseguinte “príncipe” de Benin, existem muitas discordâncias históricas; uma delas é que na história do Reino de Benin, não há nada que relate alguns dos filhos de Ovonramwen sendo exilado no Brasil.
Outra discordância seria assimilar um nobre de etnia Edo, ao culto Vodun e chamá-lo de pai dos Jejis no Rio Grande do Sul, pois há inúmeras evidências de que Custódio Almeida praticava um culto nàgó.
Com estas evidências alguns escritores e historiadores chegam a acreditar que Custódio teria tido conhecimento do exilio do Obá e sua família e teria se aproveitado do fato para se intitular um nobre, um dos príncipes Edo.
Príncipe de Ajudá
Há também escritos que denominam Custódio como “Príncipe de Ajudá”, referindo-se ao porto de Ouidah, na atual República de Benin (antigo Reino de Danxomè), de onde partiram vários negros de etnia yorubá para o Brasil e talvez esse teria sido o motivo de uma associação entre a figura de Custódio e o povo Jeji, no entanto não há nenhuma evidência história de que algum “Príncipe de Ajudá” tivesse vindo para o Brasil, ainda mais em epócas tardias da escravidão como se referem os relatos voltados a figura de Custódio.
O Culto dos Voduns Reais
Como se sabe, a realeza daomeana tinha uma maneira própria de culto. Seus Voduns (Hennu-vodun) eram Voduns famíliares, ou seja, o culto de seus próprios ancestrais que eram divinizados e tornados Voduns. Não existe no Rio Grande do Sul vestígios ou relatos de algum culto semelhante; diferente do que existe no Maranhão na Casa das Minas, uma casa de tradição Jeji, que teria sido fundada pela rainha Na Agotimé, esposa do Rei Agonglo que teria sido exilada e mandada como escrava para o Brasil por seu enteado Adandozan. A Casa das Minas realiza uma prática única de culto aos voduns ligados a família real de Danxomè (Daomé).
Conclusão
A origem exata de Custódio Joaquim Almeida, apesar de diversos estudos realizados a seu respeito, continua um mistério. Sem dúvida foi uma personalidade que teve muito prestígio e criou laços com personalidades da elite, importantes na época. As conclusões que se pode tirar é que foi e ainda é uma importante figura e um dos pilares na formação do Batuque do Rio Grande do Sul como é conhecido hoje. No entanto, dentre os relatos que o citam, sempre apontam uma forma de culto nàgó, e não Jeji, como afirmam as tradições orais do Batuque. Uma das hipóteses é que ele tenha se integrado a comunidades de negros ditos Jejis que aqui ja estavam e que ele teria se auto-denominado Jeji e sua raiz religiosa assim se perpetuou, absorvendo uma porção de costumes e rituais praticados por ele.
Estudo de imagem
Na foto abaixo vemos Ovonramwen ao centro; suas duas esposas uma de cada lado, envoltos pelos filhos. O rapaz mais alto, atrás de Ovonramwen é tido como sendo Osuanlele.
Fontes e Referências:
Texto: Charles da Silva (Hùngbónò Charles).
-Redescobrindo o Nàgó do Príncipe Custódio (https://ileaseekundeyi.files.wordpress.com/2013/04/redescobrindo-o-culto-nago-do-principe-culstodio.pdf)
– Alberto da Costa e Silva, Um chefe africano em Porto Alegre, in “Um rio chamado Atlântico”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira;UFRJ, 2003
-Mundo Escola – Reino de Benin (http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiageral/reino-benin.htm)
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