O Mistério dos Túneis de Porto Alegre
O Mistério dos Túneis de Porto Alegre. Antes de mergulharmos nessa aventura, é bom alertar que como toda boa história e lenda, os túneis de Porto Alegre, também é confusa e misteriosa. A existência dos túneis subterrâneos de Porto Alegre provoca a imaginação como algo misterioso, um misto de mito e realidade no imaginário porto-alegrense.
Pra conhecer um povo, é preciso respeitar e prestar atenção nas tradições orais.
Segundo a historiadora Liana Martins, a autoria da construção desses túneis ou galerias subterrâneas permanece incerta, mas o fato é que existem galerias subterrâneas no Centro Histórico. Folclore ou lenda, a questão sempre foi tratada como mistério.
Nessa foto de 1911 mostra a construção do Palácio Piratini, na parte esquerda da foto é possível ver a entrada de um túnel.
A história dessas supostas galerias ou túneis teria se iniciado por volta de 1773.
As principais fontes têm sido os livros de Ary Veiga Sanhudo, “Crônicas de Minha Cidade”, volume 1 do capítulo “As Decantadas galerias do Palácio Piratini”, publicado em 1961, e do pesquisador Walter Spalding, “Pequena História de Porto Alegre”, publicado em 1967.
O trabalho destes pesquisadores subsidiaram publicações de matérias em jornais como Zero Hora (Túneis do Piratini, Caderno D, página 3, de 06/03/1988) e dissertações de mestrado (que, no entanto, não tinham os túneis como tema de pesquisa acadêmica).
Não sabemos que fontes documentais em que Spalding e Sanhudo se basearam em suas pesquisas. Sabe-se que boa parte destas informações foram coletadas pelos dois pesquisadores por meio de relato oral da população. Relatos que foram repassados através dos anos, constituindo-se numa das mais instigantes lendas urbanas da capital dos gaúchos.
Túneis ou galerias subterrâneas, no final do século XVIII.
Embora Spalding não faça menção direta ao então governador José Marcelino Figueiredo, seu relato sugere indiretamente que teria sido ele a mandar construir os “túneis ou galerias subterrâneas”, no final do século XVIII.
Ele também não diz qual a finalidade desses supostos túneis, mas, no imaginário popular, teriam o objetivo de proporcionar uma rota de fuga para autoridades, devido aos conflitos de fronteira entre as coroas portuguesa e espanhola, em disputa dos territórios onde hoje estão o Rio Grande do Sul e os países do Rio da Prata (Argentina e Uruguai), estando, assim, Porto Alegre correndo risco de uma invasão. Os túneis ou galerias que segundo Spalding ligavam distintos prédios da cidade, teriam sido aproveitados posteriormente, no final do século XIX, para a construção de um reservatório de água.
Revolução Farroupilha.
Sanhudo menciona que, durante a Revolução Farroupilha, em 1836, os túneis eram utilizados para fins de fuga. Ele inclusive afirma que esses túneis eram em número de quatro. Especula-se que os Farroupilhas poderiam ter ampliando e/ou construído outros túneis.
Sanhudo menciona que um soldado teria descoberto em sua chácara, nos “antigos campos da várzea” (atual Parque Farroupilha), no subsolo de um casarão, armas e um mapa contendo a existência dos túneis. O mapa, acompanhado de uma carta, teria sido encontrado em uma das entradas que levava a um subterrâneo.
A velha colina.
A carta dizia que na “velha colina”, antiga denominação para a região onde hoje se encontram a Catedral, o Palácio Piratini, o forte apache e o Theatro São Pedro, havia galerias subterrâneas, com ligação para vários pontos estratégicos da cidade. Esta carta teria sido escrita por Tito Lívio Zambecari, um dos intelectuais da Revolução Farroupilha. De acordo com tal carta, o mapa descreveria as diversas entradas e múltiplas galerias do “túnel”.
Porto Alegre – Construção do Palácio Piratini em julho de 1910. Fonte: Phot Central Ferrari.
Os quatro lugares ou rotas de fuga.
A maior entrada passava pelo Palácio do Governo em direção a quatro lugares ou rotas:
- Primeiro: Oeste, indo do atual Palácio do Piratini até a volta da Usina do Gasômetro;
- Segundo: Leste, Praça Raul Pilla, antigo quartel do Exército, passando por onde hoje é a Santa Casa em frente a Praça do Portão ou Conde de Porto Alegre;
- Terceiro: Sul, na Rua do Arvoredo, atual Fernando Machado;
- Quarto: Norte, Do Arquivo Público do Rio Grande do Sul, em direção ao antigo Cais do Porto.
Abaixo, o antiga sede do Quartel da 6ª Companhia de Polícia do Exército, que ficava onde hoje é Praça Raul Pilla.
Antes:
Depois:
Antigo Armazém Pimenta na Rua Duque de Caxias em Porto Alegre, abastecia o Palácio Piratini.
Nada mais apresentava o tal mapa, a não ser uma curiosidade: o nome de Bento Gonçalves, o líder máximo da Revolução Farroupilha.
Ao longo dos anos que se seguiram, outros túneis foram sendo descobertos, primeiramente quando operários da Companhia Hidráulica Porto-Alegrense, no final do século XIX, construíram uma cisterna. Sobre este suposto “túnel”, Spalding diz que em torno de 1869/70, na época em que estava sendo implementado um serviço de fornecimento de água, foi feito um reservatório junto à praça da Matriz, utilizando-se das supostas galerias subterrâneas feitas no final do século XVIII, que faziam a ligação de vários prédios. Posteriormente, no início do século XX, quando da construção dos alicerces do Palácio Piratini, teria sido encontrado outro.
Construção Palácio Piratini em Porto Alegre na década 1910. | Fonte: Arquivo Histórico RS.
Na época da construção do Arquivo Público do RS, por volta de 1910, um outro túnel teria sido descoberto. Nos anos 1930, quando foi aberta a avenida Borges de Medeiros, mais um túnel teria sido encontrado.
Por se tratar de um assunto tanto polêmico quanto fascinante, foi realizada uma pesquisa, a pedido da direção do APERS, pelo Técnico em Assuntos Culturais e Historiador da Instituição Claus Farina que objetivou a coleta de informações, bem como subsidiar futuras pesquisas sobre o assunto.
A coleta de dados foi feita em várias instituições, tais como, o Instituto do Patrimônio Histórico Artístico do Estado (IPHAE), o Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS), o Arquivo Municipal Moysés Vellinho, a Secretaria de Obras Públicas do Estado do Rio Grande do Sul (SOP/RS), a Secretaria Municipal de Obras e Viação (SMOV), o Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande do Sul (IHGRGS) e o Museu da Comunicação Hipólito José da Costa (MUSECOM). Além disso, foram realizadas pesquisas em jornais e em publicações na internet assim como entrevistas com arqueólogos, historiadores e geólogos.
Túneis do Palácio Piratini escondem mistérios do poder gaúcho (Foto: Reprodução/Ruas da Cidade)
Os seguintes aspectos podem ser extraídos como resultado desta pesquisa:
A construção dos túneis subterrâneos do Centro Histórico de Porto Alegre, salvo novos dados, está relacionada às obras do começo do século XX, envolvendo a canalização de arroios, o Palácio Piratini, o APERS, a Catedral Metropolitana, entre outros prédios dessa época.
A história de que a função dessas galerias ou túneis seria a de fornecer uma rota de fuga para autoridades não se coaduna com as informações encontradas. Os dados indicam que seria improvável, sob o ponto de vista econômico, tecnológico e pelo tipo de sedimento de rocha granítica que forma o centro histórico, a construção de tais túneis nos períodos anteriores ao século XX. Além disso, não foi encontrada qualquer documentação do século XVIII sobre a construção de túneis subterrâneos que pudesse corroborar com esta tese.
O mesmo vale para a ideia de que, desde 1836, época da Revolução Farroupilha, os túneis já seriam utilizados para fins de fuga. A hipótese não se sustenta pelo fato de que o domínio Farroupilha em Porto Alegre durou menos de nove meses, sendo que os custos de uma guerra contra o Império não justificariam um esforço de tal magnitude. Desta forma, é possível argumentar que todas as obras verificadas como subterrâneas no Centro Histórico de Porto Alegre foram construídas com propósitos logísticos.
Conforme o ofício A. H. /nº 41-92, referente à pesquisa sobre o APERS, feita pelo Arquivo Histórico de Cachoeira do Sul, sob a direção de Elena Desch, o túnel do APERS é uma galeria construída com o objetivo de favorecer a circulação de ar. Essa tese também é defendida pela ex-diretora do APERS, Rosane Feron. Assim, com base nestas informações, o túnel subterrâneo no APERS seria uma galeria longitudinal, construída no início do século XX, com objetivo de fazer circular o ar, com a ajuda de respiradouros. Favorecendo assim, a conservação dos documentos arquivados no Prédio 1 do Arquivo Público, sem nenhuma relação com passagens secretas ou túneis subterrâneos com objetivo de dar fuga a autoridades.
Da mesma forma, os túneis do Palácio Piratini são galerias subterrâneas de logística, de conhecimento notório, com objetivos múltiplos para dar subsídio à rede de esgotos, luz, água, telefonia e demais serviços, sem qualquer função que configure uma rota de fuga, conforme o parecer do Historiador e Técnico em Assuntos Culturais Robson da Silva Dutra Lima.
Paleotocas no Centro Histórico.
Por fim, o arqueólogo Alberto Tavares, que inspecionou o suposto túnel do APERS, e a arqueóloga Ângela Cappelletti, que coordenou as escavações da Cúria Metropolitana, concordam com a hipótese de que podem existir paleotocas no Centro Histórico, uma vez que sua existência já foi comprovada em outras regiões da cidade.
Paleotocas são cavernas escavadas por animais pré-históricos, como o Megatério (Besta Gigante) entre outros.
A besta gigante.
Fóssil brasileiro de preguiça-gigante (Glossotherium) ora exposto no Museu Nacional do Rio de Janeiro.
megatherium. A preguiça-gigante ou preguiça-terrícola pertence a um grupo de mamíferos pré-históricos que habitaram as Américas.
O megatherium (ou em português, megatério), cujo nome significa “Besta gigante”, era uma preguiça gigantesca que viveu do Plioceno até o Pleistoceno, há aproximadamente 20 mil anos, nas Américas do Sul e do Norte. Era do tamanho de um elefante.
Desta forma, é possível crer que, desde o início da colonização europeia, a população de Porto Alegre tenha se deparado com paleotocas, confundido-as com túneis, dando origem às lendas que circulam desde então. A canalização dos arroios de Porto Alegre no início do século XX, contruído com pedras e tijolos antigos, deve ter contribuído com a propagação do mito.
Os resultados da pesquisa indicam que apenas uma prospecção com equipamento de georradar seguido de escavação arqueológica (se necessário) poderia elucidar a questão, e apresentar evidências da existência de paleotocas ou de alguma outra construção, além das galerias de ventilação.
A pergunta que fica: Se você fosse contruir um “túnel SECRETO” para sua fuga, deixaria registro, documentaria o mesmo?
O Tunel de fuga do presidio
E pra fechar esse post do jeito que Porto Alegre gosta, mais um túnel, só que esse não tem mistério. A obra começou em uma casa vizinha ao Presídio Central. Para abrir a passagem, sete pessoas trabalharam no local. De acordo com investigações, faltavam cerca de 20 metros para que o caminho subterrâneo atingisse uma das galerias da penitenciária e passariam mais de mil homens durante o feriado de carnaval.
Túnel que seria usado para a fuga de mil presos é descoberto em Porto Alegre.
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