Os canibais de Porto Alegre – O Açougue e…
Os canibais de Porto Alegre – O Açougue e as Linguiças de Carne Humana da Rua do Arvoredo. Os crimes da Rua do Arvoredo é um episódio verídico, que ocorreu entre 1863 e 1864, em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, o misterioso paralelo 30.
Os crimes da Rua do Arvoredo
A prática insólita dos crimes era feita da seguinte forma: os acusados atraiam vítimas para matá-las e, provavelmente, se desfaziam de partes dos corpos produzindo linguiças de carne humana pra serem vendidas em um açougue da cidade.
Três pessoas estariam envolvidos na execução dos crimes: o brasileiro José Ramos, sua esposa húngara Catarina Palsen e o açougueiro alemão Carlos Claussner. Apesar de ser um caso real, ele ainda está presente no imaginário popular local, tendo-se tornando uma espécie de lenda urbana da cidade.
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Ao que tudo indica, a sequência de assassinatos começa em 1863. José Ramos e Catarina Palsen se conheceram em locais públicos frequentados pela elite da cidade e analisavam quais seriam as potenciais vítimas. A preferência era por imigrantes alemães, visto que Catarina não dominava o idioma português.
Após a escolha da vítima, Catarina Palsen, as seduzia e marcava um encontro no Beco da Ópera (atual Rua Uruguai) e as levava para a casa do casal, onde as vítimas tinham seus pertences roubados e eram degoladas, esquartejadas e descarnadas.
A carne era transformada em linguiça e vendida no açougue de Carlos Claussner. Segundo depoimentos da época, Claussner havia sugerido a Ramos a fabricação de linguiças com a carne dos assassinados, como uma forma de encobertar qualquer evidência dos crimes; já os ossos seriam dissolvidos em ácido ou incinerados no seu açougue.
Embora o número exato permaneça um mistério, existem provas de que seis pessoas foram vítimas do casal.
Em agosto de 1863, uma sequência de desaparecimentos começou a repercutir pela cidade. Ao mesmo tempo, isso começou a despertar a curiosidade da opinião pública local.
As autoridades começaram a ser pressionadas. A repercussão dessa sequência de crimes começou a assustar Claussner, que decidiu ir para o Uruguai, pois alegava estar infeliz em Porto Alegre. Dessa forma, José Ramos, temendo perder seu parceiro nos crimes, o matou e escondeu o corpo no quintal de sua casa.
O casal eventualmente assumiu as posses de Classner e ao ser perguntado pela ausência do açougueiro ele alegava, que a loja e a casa haviam sido vendidas para ele. Entretanto, o negócio desandou devido ao desconhecimento de Palse e Ramos na fabricação de embutidos.
A elucidação dos crimes começou no ano seguinte, em 1864, com o desaparecimento do caixeiro-viajante José Ignacio de Souza Ávila e do comerciante português Januário Martins Ramos da Silva; que foram vistos no dia anterior na casa de José Ramos, na Rua do Arvoredo.
Convocado a prestar esclarecimentos na delegacia, José disse que eles pernoitaram na casa e durante a manhã eles foram para São Sebastião do Caí. O delegado, não satisfeito com as explicações, no dia seguinte ao depoimento foi revistar a residência, encontrando evidências de diversos crimes.
Foram achados vários indícios dos assassinatos cometidos ali ao serem encontrados pertences pessoais das vítimas conservados por Ramos como uma espécie de souvenirs de acontecimentos macabros.
Ainda, durante a revista, foram descobertos vários pedaços de um corpo humano em decomposição enterrados no porão da residência, sendo identificados como sendo os pedaços do alemão Carlos Claussner, dono de um açougue na Rua da Ponte.
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Rua da Ponte (atual Rua Riachuelo) no século 19.
No poço da casa foram encontrados os corpos mutilados de Januário e José Ignácio e, também, de um cachorro com o ventre rasgado (o cão era de José Ignácio, que permaneceu na porta da casa de José Ramos latindo, até que misteriosamente também desapareceu).
Catarina, que havia sido presa por outros crimes e havia se tornado uma mucker, decidiu confessar que naquela casa foram cometidos seis assassinatos e que dos corpos das vítimas foram feitas linguiças pelo açougueiro Carlos Classner. O diário de Catarina foi o ponto de partida para a investigação das demais mortes.
Catedral Metropolitana de Porto Alegre, início do século 20.
O momento na história
Estamos na era vitoriana, era das sombras, da melancolia, do romantismo, dos simbolistas, de tentar entender a morte mais do que a vida.
Em torno de 1860, Porto Alegre já era a quarta maior cidade do Brasil, tinha cerca de vinte mil habitantes, dos quais pelos menos três mil eram alemães e muitos deles possuíam propriedades comerciais na rua até então chamada Rua do Arvoredo, possuía um total de quatro mil casas, 18 edifícios públicos e sete Igrejas.
No período de 1865 a 1870 a Guerra do Paraguai transformou a capital gaucha na cidade mais próxima da guerra, a mesma recebeu dinheiro do governo central, novos estaleiros, serviços telegráficos, quartéis e melhorias na área portuária.
Na parte mais estrutural da cidade, no ano de 1872 entraram em circulação as primeiras linhas do bonde, em 1874 foi concluída a ferrovia que une Porto Alegre e Novo Hamburgo e foi inaugurada a iluminação a gás de carvão e ate 1870 o abastecimento de água foi melhorado, isso graças a edificação da canalização, já o sistema de esgoto apenas começou a ser implantado no final desse século.
Nesse século o Neoclassicismo tornou-se uma influencia muito marcante e junto com o antigo colonial originaram varias soluções ecléticas que iriam dominar o panorama até a década de 1930, o prédio que mostra exatamente um perfil neoclássico é o prédio da Cúria Metropolitana (como mostra a imagem acima), construído a partir de 1865 e caracterizado pelo seu majestoso conjunto de dimensões palacianas.
Theatro São Pedro em 1860.
Rua do Arvoredo
Com a designação de Rua do Arvoredo, foi uma das primeiras ruas dos tempos da vila de Porto Alegre. Em 1788 encontra-se registrada a escritura pública de compra e venda, relativa a uma “casa e cozinha de palha”, fazendo frente “para a rua direita que sai da Matriz” e “fundos para a rua do Arvoredo”, fato que assinala a existência de moradores, de condição modesta, já no século XVIII.
Em 1843, os vereadores determinaram a execução de calçadas aos proprietários da Rua do Arvoredo. Em 1851, a Câmara autorizou seu procurador a fazer um cano de tábuas nos fundos do quintal do Palácio para canalizar as águas que desciam do morro, ali colocando de 20 a 40 carroçadas de aterro, “a fim de dar trânsito àquele lugar”.
Dois anos depois, obras são realizadas na Rua do Arvoredo, desde a Rua de Belas (atual General Auto), até o Alto da Bronze (atual Praça General Osório), “onde proximamente se acabou de abrir a dita rua”. Embora constando aberta até a Rua General Vasco Alves na planta oficial de 1839, o trecho imediato ao Alto da Bronze talvez se conservasse ainda irregular e intransitável.
Quem vivia na Rua do Arvoredo no século XIX
A Rua do Arvoredo no século XIX era moradia de pessoas de media e baixa renda, composta por residências e pequenos estabelecimentos comerciais que em muitos casos eram propriedades de imigrantes e também o local menos esperado para que um latrocínio como o que ocorreu acontecesse.
Foi no ano de 1864 que as autoridades descobriram os assassinatos cometidos por um morador da Rua do Arvoredo e da sua esposa.
Cúria Metropolitana de Porto Alegre erguida em cima do antigo cemitério e próximo aos locais dos assassinatos.
Onde fica o local dos crimes?
O local exato onde ocorreram os crimes foi na rua do arvoredo, atualmente chamada de Rua Coronel Fernando Machado (nome dado no ano de 1870), começa na Rua General Vasco Alves e termina na Rua Coronel Genuíno, a mesma ganhou notoriedade depois do episodio insólito, o maior crime que esta cidade já teria presenciado ate então, com a designação do seu primeiro nome ela foi uma das primeiras ruas da cidade ainda quando a mesma não era vista como cidade mais apenas como uma vila, encontramos o primeiro registro datado no ano de 1788, o qual mostra a escritura publica de compra e venda, relativa a uma “casa e cozinha de palha” que fazia frente com a rua direita que sai da Matriz e fundos para a Rua do Arvoredo, o que afirma a existência de moradores já no século XVIII.
Fernando Machado, final do século XIX.
A Rua do Arvoredo no século XIX, sugerido por alguns historiados como essa casa em frente a um poço, o local dos crimes.
Antes de ser tornar uma cidade de canibais, a Cólera visita Porto Alegre
No ano de 1855, irrompeu na cidade uma epidemia muito grave que acabou ceifando 1.400 vidas, quando a população era de 10 mil habitantes. A mesma epidemia voltou dez anos depois, mas o numero de mortes foi muito menor.
A partir de então, o comercio e consequentemente a economia cresceram e se intensificaram, instalando-se na região diversos restaurantes, pensões, variados estabelecimentos comerciais, alambiques e pequenas manufaturas, também o numero de imigrantes alemães cresceu de uma forma marcante.
O que isso significa? Significa que depois de duas grandes guerras (guerra do Paraguay e Guerra dos Farrapos), uma devastadora epideminia, a cidade mal tinha voltado a vida quando os crimes da Rua do Arvoredo transformariam a cidade em canibal.
O começo do fim
Um comerciante português chamado Januário e seu caixeiro, José Ignacio de Souza Ávila, haviam desaparecido. Os vizinhos do casal haviam presenciado o português Januário e seu caixeiro com José Ramos um dia antes do desaparecimento.
A partir do momento em que esse fato ocorreu, no outro dia Ramos recebeu uma intimação para que explicasse esse mistério. Porém, ao chegar à delegacia, o acusado não revelou o que realmente tinha ocorrido, mas alegou que os desaparecidos teriam embarcado para o Caí.
Ao final do depoimento dado por José Ramos, o chefe de polícia, Dário Rafael Callado, não se convenceu da “história” contada por Ramos, e então decidiu investigá-lo.
No dia 18 de abril, a polícia de Porto Alegre buscou provas na residência de José Ramos e deparou-se com uma cena de crime horripilante: no porão da casa de José Ramos e Catarina Palsen, na Rua dos Arvoredos, estavam enterrados os pedaços de um corpo humano, já em avançado estado de decomposição.
A vítima foi identificada: era o alemão Carlos Claussner, dono de um açougue na Rua da Ponte.
Ao examinar um poço desativado, no terreno dos fundos da casa, a polícia encontrou os corpos do taverneiro Januário Martins Ramos da Silva e de seu caixeiro, José Ignacio de Souza Ávila, de apenas 14 anos, igualmente esquartejados.
As buscas no poço prosseguiram, tendo a polícia encontrado ainda o cadáver de um cachorrinho preto, rasgado da garganta ao ventre.
Caderno de Catharina
Em abril de 1868, Catarina Palsen, segundo a versão do historiador Decio Freitas, teria feito chegar até as mãos do novo chefe de polícia Gervásio Campello, substituto de Dário Callado, “um caderno, no qual há 54 folhas escritas a lápis, em dialeto alemão” (FREITAS, 1996, p. 104).
Em agosto de 1868, a autoridade pede ao intérprete Júlio Henrique Knorr que traduza o texto do caderno de Catarina Palsen. Trata-se de um texto que concilia citações da Bíblia com revelações sobre os crimes.
Em outubro de 1868, o chefe de polícia Gervásio Campello recebe Catarina Palsen, que deseja contar toda a verdade sobre os crimes, motivada pelo relacionamento de amizade e religioso que mantinha com Isabel Kerhkove.
Catarina conta a Campello o envolvimento de José Ramos com Carl Claussner e a maneira que encontraram de impedir que os assassinatos viessem a ser provados. Para isso, as vítimas seriam esquartejadas e suas carnes usadas para fazer linguiça, de modo que os cadáveres desapareceriam e nunca se poderia provar nada.
Catarina relata as circunstâncias das mortes das seis vítimas de José Ramos em 1863, de cujos corpos foram feitas linguiças a serem consumidas pela população de Porto Alegre, em especial a nobreza da região.
Nota:
A informação fornecida pelo historiador Decio Freitas de que Catarina Palse, em abril do ano de 1868, faz chegar até as mãos do chefe de polícia Gervásio Campello o suposto caderno com suas confissões, e mais tarde, em agosto do mesmo ano, Campello teria pedido a tradução do conteúdo do caderno, é duvidosa, pois consta no quadro de correspondência entre presidentes da Província e chefes de polícia do Rio Grande do Sul na década de 1860, que Gervásio Campello foi nomeado e tomou posse do cargo no ano de 1865 e teria se exonerado no dia 06 de novembro de 1867, removido para Santa Catarina.
Portanto, um ano antes da data em que, segundo Decio Freitas, Campello teria recebido o caderno com as confissões de Catarina Palsen, o chefe de polícia já estava trabalhando fora do Rio Grande do Sul.
Ficou em seu lugar Belarmino Peregrino da Gama e Mello, nomeado no dia 6 de novembro de 1867 e exonerado em junho ou julho de 1868, e este, por sua vez, foi substituído por João Coelho Bastos, que permaneceu entre 29 de agosto de 1868 e 20 de agosto de 1870.
Esses dados nos permitem pensar que Décio Freitas possivelmente se tenha equivocado quanto ao nome do chefe de polícia que teria recebido os escritos de Catarina Palse (ANEXO 12, apud ELMIR, 2008, p. 282).
O novo depoimento de Catarina Palsen é reconstituído através do livro de memórias de Francisco José Furtado, chamado Minhas viagens pelo Brasil (Recife, 1891).
Furtado, magistrado maranhense, teria assistido ao interrogatório (FREITAS, 1996, p. 136) que involuntariamente teriam praticado o canibalismo. Conta-lhe sobre a cumplicidade de Henrique Rithmann e de Carlos Rathmann nos crimes. Afirma ainda que José Ramos e seus comparsas eram canibais conscientes, pois em todos os casos provaram a linguiça antes de colocá-la à venda, inclusive ela própria também teria consumido a linguiça de carne de gente.
Ela confessa seu envolvimento direto em pelo menos duas mortes, de Schmitt e Winckler, um dos homens que atraiu na Rua da Praia. Sua cumplicidade militante se constitui também no fato de instigar e animar José Ramos a cometer os assassinatos. Depois expõe as razões do assassinato de Carl Claussner.
O Caso é Reaberto
Em 1868, José Ramos e Henrique Rithmann são chamados para prestar novo depoimento. José Ramos nega tudo. Henrique, “o corcunda”, por sua vez, confirma tudo o que dissera Catarina Palsen.
Nessa ocasião, é chamada também para ser ouvida Isabel Kerhkove, que afirma no ano de 1863, ter sido confidente de Catarina Palsen, que lhe contou os crimes de José Ramos.
O chefe de polícia Gervásio Campello resolve ouvir alguns alemães que já haviam prestado testemunho em 1864:
“Para espanto de Campello, todos admitem que em 1863 tinham ouvido falar nos assassinatos e na fabricação de linguiça de carne humana, mas não tinham certeza e temiam fazer acusação falsa” (FREITAS, 1996, p. 123).
Terminadas as inquirições, o chefe de polícia hesita sobre o próximo passo a dar no inquérito, frente à situação de não se poder prever qual seria a reação dos moradores da cidade quando soubessem que de fato teriam consumido carne humana feita pelas mãos de açougueiro alemão.
“As conseqüências seriam imprevisíveis, e na hipótese mais favorável, criar-se-ia um clima de persistente hostilidade aos imigrantes, desestimulando a política imigratória que o governo imperial desenvolvia com excelentes resultados econômicos”. (FREITAS, 1996, p. 125).
Em prol da ordem pública, o chefe de polícia, no exercício das funções de juiz de direito, decide, então, que, embora as confissões fossem convincentes, não bastariam para suprir a falta do corpo de delito. Dessa forma, impõe-se a impronúncia dos acusados.
Em 1877, cumprida integralmente sua pena, Catarina Palsen é posta em liberdade, quando já tinha 41 anos de idade. Fora da prisão, ela é vista nas ruas de Porto Alegre, cancerosa, Catarina vai viver na Santa Casa, onde prestará serviços como faxineira.
Nota:
Aquiles Porto Alegre, em Histórias de Porto Alegre, afirma: “Por volta de 1884, eu encontrei Catharina, mais de uma vez, com um grosseiro chapéu de palha na cabeça e chinelos sem meias, atravessando as ruas da cidade […]. Estava cancerosa e apresentava um aspecto repugnante, ao ponto de eu nunca poder explicar com que atrativos aquela mulher fatal, com promessas de amor, fez tantas vítimas!” (1940, p. 183).
De Henrique, “o corcunda”, nada se sabe. Em 1879, José Ramos, por sua vez, contrai pneumonia e é internado na Santa Casa. Depois, mesmo curado da doença, continua vivendo no hospital. Torna-se benquisto entre os médicos e administradores, e a certa altura trabalha como auxiliar de enfermagem.
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A morte de José Ramos e Catharina Palsen
Em 1891, Catarina Palsen morre e é enterrada como indigente no cemitério da Santa Casa.
Em 1º de agosto de 1893, José Ramos morre na Santa Casa, leproso e cego dois anos depois da morte de sua parceira Catarina Palse.
O crânio de José Ramos foi conservado pelos médicos para posteriores estudos.
Nota:
A descrição de José Ramos feita por um jornal por ocasião de sua prisão, em 18 de abril de 1864, já aponta a fragilidade de sua saúde: “Este é um homem de cara oval, faces pálidas e cadavéricas, olhos felidos [sic], nariz aquilino e recurvado, barba negra e cabelos também negros. É homem muito doente, alto, mas de corpo franzino” (MERCANTIL, 19 abr. 1864, p. 2).
Canibalismo
O canibalismo existiu ao longo da história da humanidade, sendo uma prática religiosa ou de costumes primitivos de diferentes motivações e características de cada época.
Sem título, conhecida como “Saturno devorando seu filho” (da série “Pinturas Negras”), de Francisco de Goya, entre 1819-1823, Museu do Prado, Madri.
A existência de tribos canibais na América foi uma questão presente durante o processo de colonização europeia. Os colonizadores achavam uma prática selvagem que deveria ser extinta da cultura humana.
O canibalismo é um dos assuntos mais polêmicos em muitas discussões, e por isso alguns autores e diretores criaram obras fictícias para abordar o assunto, como no caso do filme, triologia, “O Dr. Hannibal” onde conta a história de um jovem que sofreu traumas e virou um temido canibal.
O canibalismo volta a ser discutido quando há o aparecimento de psicopatas e seriais killers que cometem crimes absurdos e muito violentos. Como no caso dos Crimes da Rua do Arvoredo, onde José Ramos e sua mulher Catharina Palsen matavam pessoas e faziam linguiça com a carne humana, induzindo a população a comer.
Charles Darwin
O biólogo pai da teoria da evolução das espécies, ficou sabendo do caso na Inglaterra e, segundo consta, escreveu sobre: “Informa-se que no extremo meridional do Brasil, na cidade de Porto Alegre, um grupo de perversos matou várias pessoas usando sua carne para fazer linguiça, que não só comeram como induziram os habitantes a comê-la. O temor de que a humanidade perca a sua posição nobre e volte a bestialidade é infundado, mas regressões ocasionais sempre ocorreram. Há um chacal adormecido em cada homem”, comenta Darwin.
O curioso é que segundo relatos, nem José Ramos e nem Catharina Palsen comiam a linguiça. Essas brutalidades podem ter ocorrido por causa da violência amplamente praticada pelos contemporâneos de José Ramos na década de 1860, onde na mesma época estava tendo a Guerra do Paraguai. Guerra essa onde os gaúchos tiveram uma participação direta cometendo as maiores atrocidades, como saques, estupros, torturas e mortes extremamente brutais, inclusive, canibalismo.
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Personagens da trama
José Ramos
José Ramos é certamente a personagem principal desta história hedionda. José era o filho mais velho de Manoel Ramos e Maria da Conceição. Manoel foi servidor de um esquadrão de cavalaria de Bento Gonçalves durante a Revolução Farroupilha. Todavia, desertou e fugiu para Santa Catarina, local onde fixou residência e onde José Ramos, seu filho, nasceu.
Era hábito do pai contar façanhas da revolução, ouvidas com admiração por Ramos.
Aqui, segundo a história, Ramos insistia ao pai que contasse com detalhes as investidas do esquadrão ao toque de “degolar”, demonstrando especial interesse acerca dos detalhes empregados sobre modo de aplicar a degola.
Na juventude, vendo sua mãe ser agredida pelo pai embriagado, José Ramos toma uma faca e projeta contra seu progenitor ferindo-o gravemente, levando-o à morte em poucos dias.
Esse episódio induz Ramos a retirar-se para a Província de São Pedro, onde se estabelece como soldado da Polícia, exercendo a função de maneira digna, até o dia que é flagrado tentando degolar um preso célebre de alcunha Campara, uma espécie de Robin Hood dos Pampas, sob o pretexto de que esse tentava fugir.
Dada a repercussão, é exigida a baixa de Ramos, passando a servir como informante da Polícia, subordinado diretamente ao Chefe de Polícia, o delegado Dário Callado, por quem, mais tarde, seria preso.
Diz-se de Ramos que era um sujeito mestiço claro, olhos enormes, voz sinistra, barba rala, alto e de extraordinária força física e sempre exageradamente perfumado. Vestia-se de maneira impecável e possuía razoável nível de instrução.
Homem religioso e sensível, Ramos ia à missa, e demonstrava grande interesse pelas artes.
Frequentava a mais alta classe de Porto Alegre, sendo conhecido em eventos de alto luxo e sofisticação, como apresentações teatrais, óperas, além de ser um frequentador assíduo do recém-inaugurado Theatro São Pedro.
Também foi na capital gaúcha que o mesmo encontrou e se apaixonou por Catharina Palsen.
Acredita-se que José Ramos detinha uma fascinação pelo “ato da degola”, ou seja, o mesmo teria aprendido esta prática com seu pai que provavelmente lutou na guerra, devido a isso todos os seus homicídios consistem neste ato, isto é, Ramos pode ser taxado como louco, psicopata, doente, assassino, entre inúmeros outros nomes dados como justificativa para tais acontecimentos, porém o mesmo possuía amplo conhecimento perante seus atos o que indica que não retinha nenhum, aparentemente, distúrbio mental, fato este que não consta em documentos da época, devido a isto a análise relativa ao que verdadeiramente motivava José Ramos a cometer seus homicídios é um enigma que possivelmente nem o próprio Ramos saberia explicar e até mesmo convencer alguém de que seus crimes eram válidos.
O ator Carmo Dalla Vecchia interpretando José Ramos programa Linha Direta Justiça, dramatizando o caso.
Catarina Palsen
Catharina Palsen, embora não seja a “personagem principal”, é elemento não menos importante, pois foi cúmplice de José Ramos, seja por atrair as vítimas para sua residência ou, simplesmente, pela omissão, acobertando os crimes do marido.
De origem Húngara, viera da Transilvânia para escapar da miséria. Catarina teve a família assassinada e foi estuprada por soldados durante a revolução húngara contra a Áustria.
Filha de artesão, de família pobre, morava em uma aldeia com os pais e dois irmãos. Aos 15 anos, casa-se com Peter Palsen, um cardador de lã. Posteriormente, aconselhados pelos pastores protestantes, emigram para o Brasil, a fim fugir da miséria em que viviam. No decorrer da viagem, o marido de Catharina se suicida por estrangulamento.
Em 1857, com 20 anos e solitária, Catharina chegou à capital gaúcha. Cinco anos depois, começou a se envolver com José Ramos e, em 1863, começaram a viver juntos na denominada Rua do Arvoredo (atual Rua Fernando Machado), lugar próximo a um cemitério que se encontrava nos fundos da chamada Catedral Metropolitana de Porto Alegre.
Embora muito se fale que Catarina era mulher de beleza exuberante, não há qualquer indício que confirme esta afirmação. Segundo Jean Pierre Caillois (conforme descreve Décio Freitas em sua Obra O maior crime da Terra), “… é inteiramente desprovida de dotes físicos e mal se pode acreditar que exerce atração. Baixa e obesa, só tem de belos os longos cabelos loiros e os olhos muito azuis”.
A partir de 1866, Catharina Palsen se recusa à novos encontros com José Ramos.
Carlos Claussner
O terceiro personagem, Carlos Claussner, é elemento importante na história, mas, ao mesmo tempo, ao final, se torna vítima das tramas de José Ramos e Catarina Palsen.
Claussner era proprietário de um açougue situado na Rua da Ponte (atual Riachuelo), atrás da Igreja das Dores. Claussner emigra para o Brasil em 1859 sob o conceito de “proprietário”, o que lhe conferia a distinção dos camponeses e artesãos, já que alguém nessa condição significava viver de rendimentos.
Assim que chegou a Porto Alegre, estabeleceu o mencionado açougue. Isto, segundo a história, remete a verificar que trouxe consigo alguma riqueza. Em face da localização, Claussner prospera subitamente, já que as senhoras, ao saírem da missa, ordenavam os escravizados que fossem ao açougue do alemão para comprar carne.
O Alemão tornou-se amigo de Ramos porque vivia solitário e também porque dominava o seu idioma, o que levava os dois a conversar, diariamente, durante longo período, em alemão, no interior do açougue. Logo Ramos tornou-se “ajudante” de Claussner, com quem aprende o ofício. Claussner frequentava com relativa assiduidade a residência de Ramos.
O açougueiro, na época, provocava asco a população, em razão de empunhar instrumentos de corte, esquartejando carne e sempre estar sujo de sangue. Claussner, além da aparência sinistra, exibia uma cicatriz em seu rosto que lhe emprestava um aspecto perverso.
Campara
Criminoso do interior, Campara, era uma espécie de Robin Hood gaúcho, ganhou esse apelido pois roubava dos ricos e distribuía o produto do roubo aos pobres. Foi detido na Casa de Detenção, na ponta da cidade ao lado do Gasômetro.
Cacheiro Viajante
O caixeiro-viajante José Ignacio de Souza Ávila, um menino de 14 anos foi uma das vítimas de José Ramos.
Januario
O comerciante português Januário Martins Ramos da Silva, morto de forma brutal pelo serial killer de Porto Alegre.
Carl Rathmann
De origem alemã, 61 anos, não tem ocupação ou morada fixa. Alcoólatra inveterado, perambula de botequim em botequim, filando bebida. Na época, vive na Cascata (Arraial), de favor, no rancho de uma chácara.
Henrique Rittman
Ferreiro alemão Henrique Rittman, conhecido pela alcunha de “o Corcunda”.
Dario Calado
Dr. Dario Rafael Callado – Chefe de Polícia, o Chefe de Polícia, Dr. Dario Rafael Callado, homem influente da Província de São Pedro, teve papel destacado nos fatos sucedidos na Rua do Arvoredo, já que, José Ramos era um de seus homens de confiança, subvencionado para trabalhar em missões secretas. Ramos espreitava algumas pessoas, especialmente, políticos, por determinação do Chefe de Polícia.
O Chefe de Polícia era uma das autoridades mais conhecidas na Província. Nordestino, pois a corte sempre designava pessoas de outras regiões para esse cargo, era magro, porém muito forte, de pele escura escarmentada pelo sol e olhos de pupilas negras que fulgiam a ardileza e dissimulação.
Dario Callado tinha enorme poder na Província. Era diligente com suas atividades, mas, também conhecido como pessoa de humor instável e escrúpulo obscuro. Não raro, era alvo de críticas do deputado Silveira Martins que usava a tribuna para denunciar os seus desmandos.
Prisões ilegais, como por exemplo, a de um homem detido por assoviar durante um espetáculo no Theatro São Pedro, a prisão de um comerciante que lhe negou cumprimento numa recepção, espancamentos de escravos e de presos, dentre outras atitudes hostis.
Consta, porém, que de todas as histórias de Dario Callado, era dado aos prazeres mundanos. Eram comuns os seus galanteios fracassados, sobretudo as atrizes de teatro, que carregavam a reputação de serem libertinas.
O Chefe de Polícia cortejava-as esperando conseguir favores sexuais dessas.
Outro episódio marcante foi quando o chefe de Polícia reuniu as evidências dos assassinatos. Os indícios se deram por meio de identificação dos pertences das vitimas, conservado-os por Ramos como souvenirs.
Dario Callado oscilou entre satisfeito e receoso, porque, se por um lado resolvia o caso dos desaparecimentos, por outro, o tirano cruel e impiedoso era um de seus informantes assalariados.
Gostaria que assunto permanecesse em sigilo, todavia, estava ciente de que seria impossível, pois havia muitas pessoas envolvidas. Além disso, as evidências eram conclusivas e indicavam que os corpos despegados foram transformados em linguiça.
O Exercício concomitante das funções de Chefe de Polícia e Juiz de Direito que era autorizado em algumas províncias, lhe permitiu que surgissem revelações embaraçosas sobre seus vínculos com José Ramos. Acuado, imprimiu celeridade jamais vista ao inquérito policial e cumprimento das funções judiciais.
O Doutor Juiz de Direito Dario Callado pronunciou a sentença e José Ramos como no incurso nas penas do crime de latrocínio, que não importa necessariamente na punição de pena de morte. Diz-se ainda que, por negligência ou simplesmente, por descuido, os autos que versam sobre a fabricação de linguiça de carne humana desapareceram do processo.
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A motivação dos crimes
A motivação dos crimes para a polícia da época era evidente: José Ramos e Catharina Palsen mataram para se apossar dos bens de suas vítimas, com exceção do caixeiro e do cãozinho, que foram mortos como queima de arquivo.
O diário de Catarina foi o ponto de partida para a investigação das demais mortes. Catarina Palsen, pressionada e tomada de remorso após a prisão de José Ramos, confessou à polícia que ali, naquele local, haviam sido mortas seis pessoas, que foram transformadas em linguiça pelo açougueiro Carlos Claussner.
Segundo os autos, cabia a Catarina atrair as vítimas, geralmente abordadas no Beco da Ópera, onde, nos dias de hoje, localiza-se a Rua Uruguai. Catharina levava as vítimas por becos escuros e ladeiras para um sobrado que ficava atrás da antiga Matriz.
Na casa do casal, as vítimas eram degoladas, esquartejadas e descarnadas. Toda essa carne era transformada na linguiça vendida no açougue de Carlos Claussner, que ficava na Rua da Ponte (atual Rua Riachuelo). Segundo os registros daquela época, a carne, além de muito bem aceita no comércio, era consumida, na grande maioria, pela alta burguesia de Porto Alegre.
Consta que Claussner foi o “mentor” da fabricação de linguiça das vitimas de Ramos, tendo dito a José Ramos que esta seria a melhor maneira de impedir que os assassinatos fossem descobertos.
Ou seja, esquartejando os cadáveres e os transformando em linguiça, e os ossos colocados em ácido para dissolverem ou incinerados no açougue, eliminando, dessa forma, as possíveis evidências dos crimes.
O delegado se viu em uma situação complicada, pois, por um lado, resolvia o caso dos desaparecimentos, por outro, o acusado era um de seus informantes assalariados. Além disso, as evidências eram conclusivas e indicavam que os corpos despegados foram transformados em linguiça.
Com o aprofundamento das investigações, chegou-se ao horror maior:
“Essa pequena gangue, liderada por José Ramos, havia matado outras seis pessoas, no ano de 1863, todas elas de ascendência germânica, algumas vindas das colônias para comerciar em Porto Alegre, outras de passagem pela cidade.”
A sentença
O Doutor Juiz de Direito Dario Callado pronunciou a sentença e José Ramos foi incurso nas penas do crime de latrocínio, sendo condenado à pena de morte por enforcamento pelos seus crimes – depois comutada à prisão perpétua. Catarina acabou sendo presa como cúmplice, condenada a 12 anos de prisão.
Decorrido um século após os crimes, ainda continuam os mistérios de três processos criminais desaparecidos em 1998. Segundo a pesquisa feita pela universitária Cristina Fuentes Hamerski, “O primeiro processo versou sobre o assassinato do português Januário e seu caixeiro. O segundo se deteve no assassinato do açougueiro Carlos Claussner, e o terceiro trazia em seu bojo o caso onde os assassinos teriam usado a carne humana para fabricar linguiças e comercializá-las para a população local.”.
Existem duas hipóteses, que causam controvérsias, mas podem levar a alguma pista do paradeiro da parte principal do processo. A primeira hipótese seria de que em 1972, o Arquivo Público queria abrir espaço e começou a se desfazer de parte da documentação e, a segunda hipótese seria a de que o documento saiu por vias ilegais, provavelmente através dos funcionários do local.
Ouça agora a Coletânea Essencial Lítera {2009-2019}
Os Crimes da Rua do Arvoredo tem traços fortes de machismo?
Pra mim, sim. O julgamento foi severo com Ramos mas a história fez de Cathariana a “louca” que inventou os crimes com as linguiças de carne humana.
Precisamos sempre lembrar que quem era o investigador, delegado e juiz do caso, era a mesma pessoa envolvida com o principal acusado, José Ramos, o então chefe de polícia, Dario Callado. Mas o que é mais conviniente nessa história: Uma mulher traumatizada, cheias de problemas com um passado trágico, ter inventado tais histórias a troco de que? Para prejudicar seu marido? A ponto de anteriormente ter escrito em sua agenda? Acho improvável.
Acredito que foi mais fácil para aqueles homens, a sociedade e sua nobreza, condenarem uma mulher ao devaneio e delírios do que ter alguma possibilidade de terem sidos transformados em canibais e o alto escalão ter qualquer envolvimento com os eventos.
Mas é história, lenda ou mito?
As três coisas. As pesquisas cruzam dados de documentos e registros oficiais, livros, e o mais antigo de todos, a tradição oral.
O mito tem caráter explicativo ou simbólico, são narrativas utilizadas pelos povos antigos para explicar fatos da realidade e fenômenos da natureza que não eram compreendidos por eles. Os mitos se utilizam de muita simbologia, personagens sobrenaturais, deuses e heróis.
As lendas são casos que vão sendo contadas ao longo do tempo e modificadas através da imaginação do povo. Ao se tornarem conhecidas, são registradas na linguagem escrita. Do latim legenda (aquilo que deve ser lido).
E a história é o conhecimento que estuda as ocorrências do passado. Os historiadores definem essa ciência de alguns modos distintos. Há uma linha de pensamento que acredita que a história estuda, na realidade, a ação dos seres humanos através do tempo, investigando seus comportamentos e suas consequências.
Tire suas próprias conclusões. 😉
Por que as histórias na Europa viram grandes casos de mistérios e no Brasil temos medo de falar sobre?
Por que o velho mundo e outras culturas ocidentais, entenderam que falar das suas dualidades, luz e sombra, seus heróis e vilões, humanizam. O Brasil não se resolveu ainda com a escravidão, com a ditadura, que de tempos em tempo surge argumentos negacionaistas, imagina falar sobre os desatres da alma e da mente.
No Rio Grande do Sul, se prefere comemorar uma guerra que se perdeu do que falar sobre a traição de Porongos, por exemplo. São dois eventos da mesma história, um falso e outro verdadeiro, mas parece que preferimos o mais glorioso. Diferente de outros lugares, que contam suas tragédias e comédias, aqui optamos por esconder as nossas sombras, fingir que nada acontecer pra não ter que encarar a verdade. Talvez se tivesse nascido aqui William Shakespeare, teria sido um pouquinho diferente.
Plágios das histórias
Quando falamos que a história dos Crimes da Rua do Arvoredo inspirou muitas outras histórias pelo mundo, se disse que era arrogante demais acreditar que um dia os eventos seria tão interessante a ponto de chamar atenção fora das linhas do Brasil. Pois então, vamos a um grande exemplo: As Aventuras de Pi, plágio do livro brasileiro Max e Os Felinos.
De acordo com o jornal britânico The Guardian, o livro “Life Of Pi” (2001) escrito por canadense Yann Martel, no qual o filme é baseado, é um plágio do livro brasileiro “Max e Os Felinos“, obra do gaúcho Moacyr Scliar lançado em 1980 no Brasil e em 1990 no Reino Unido.
“Life Of Pi” ganhou o Prêmio Man Booker em 2002 e na época da premiação, Martel foi acusado de plágio por sua história ter muitos pontos similares a um conto do livro escrito por Moacyr. Nele, um adolescente judeu foge da Alemanha nazista em um barco e, após o seu naufrágio, ele encontra-se perdido no oceano dividindo um bote com um jaguar.
Já o livro de Martel, Pi é filho do dono de um zoológico na Índia. Após anos cuidando do negócio, a família decide vender o empreendimento devido à retirada do incentivo dado pela prefeitura local. A ideia é se mudar para o Canadá, onde poderiam vender os animais para reiniciar a vida. Entretanto, o cargueiro onde todos viajam acaba naufragando devido a uma terrível tempestade. Pi consegue sobreviver em um bote salva-vidas, mas precisa dividir o pouco espaço disponível com uma zebra, um orangotango, uma hiena e um tigre de bengala.
Posteriormente, Martel admitiu ter se baseado na mesma premissa do livro brasileiro e inseriu uma nota de agradecimento no prefácio de sua obra, depois de ter dito em entrevista que: essa história era boa demais pra pertencer a um autor medíocre da América do Sul.
Assim, como esse caso, não tem dúvida que oo crimes da Rua do Arvoredo, essa história tétrica e fascinante, corroborou com seus detalhes e requintes macabros em outras histórias pelo mundo a fora, e que, por aqui infelizmente tratamos como uma simples lenda popular.
Todos aqueles que tem o poder da mídia, tomam pra si histórias interessantes de outras culturas que não tem a mesma força de mídia. É absurdo, mas é, foi assim na construção de narrativas sobre o surgimento do “Punk”, por exemplo, que nasceu no México, mas foi feito o storytelling com mais emoção em Londres. Ou sobre a origem do Rock, dança, batalhas, mitos, deuses e etc. Eu poderia ficar escrevendo linhas e linhas mas não é isso que eu quero, apenas espero que fique pelo menos o benefício da dúvida.
Muito bem, sigamos nós aqui no nosso caso.
Aparece o Processo Criminal
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 15 dez. 1948, p. 11. 1.3 PROCESSO CRIMINAL 1070.
Em 1993, a redescoberta do processo n.º 1070 levou o Arquivo Histórico a resolver publicar o seu texto na íntegra, bem como outros documentos jornalísticos que foram anexados aos autos, num livro denominado “Os crimes da rua do Arvoredo”.
A iniciativa de divulgar o conteúdo de um dos processos criminais a respeito dos crimes cometidos por José Ramos torna-se de suma importância, pois permite o acesso às fontes primárias, fornecendo elementos essenciais para análise crítica de informações veiculadas nas diversas narrativas orais e escritas produzidas sobre tais crimes no decorrer de quase 150 Anos.
Permite ainda a reconstituição dos fatos, embasada na argumentação e nas provas arroladas, possibilitando que o leitor, no desenvolvimento dos fatos, se transporte à Porto Alegre de 1864 e, num exercício de imaginação, seja co-partícipe dos escabrosos eventos.
Apresentam-se anexados junto ao processo criminal referente aos crimes da Rua do Arvoredo algumas peças documentais não integrantes dos autos: Almanaque Literário e Estatístico para 1897, Anuário Indicador do Rio Grande do Sul, História Popular de Porto Alegre, de Aquiles Porto Alegre, e o jornal O Diógenes de 24 de abril de 1864.
Quando o Arquivo Histórico publica esse documento, está implícito que o processo é fidedigno, que ele passou pelo crivo da crítica externa do testemunho. No entanto, vale ressaltar que não estamos desconsiderando, é claro, entre outros fatores, que tal peça jurídica é um discurso, com menor grau de subjetividade, mas ainda assim um discurso.
Em 1962, o jornalista Coruja Filho escreveu: “Na manhã de 15 de abril de 1864, os vizinhos de Januário, proprietário de um estabelecimento de secos e molhados, surpreenderam-se ao verem que o armazém estava fechado, assim permanecendo durante todo o dia. Dessa forma, levam o fato à polícia, o delegado Antônio Caetano Machado Pinto procede às primeiras averiguações, vindo a saber que Januário, poucos dias antes, teria sido visto na rua, em companhia de José Ramos.”
Às 17 horas, foi a autoridade à casa de José Ramos, à Rua do Arvoredo, investigar. O delegado, procurando falar a Ramos, disse querer obter algumas informações sobre o Januário e do Caixeiro, consta apenas o interrogatório a que foram submetidos José Ramos, Catharina Palsen, Senhorinha “escrava de ganho”, Henrique Rithmann, Carl Rathmann e outros conhecidos do casal e das vítimas.
Tudo mais o que segue, é sobre o assassinato de Carl Claussner. Interrogatório de acusados, inquirição de testemunhas, perícias, instrução judicial e finalmente julgamento dos réus José Ramos e Carl Rathmann.
Em 18 de abril de 1864, no processo criminal consta que na busca e na exumação ocorridas na casa de José Ramos, foram descobertos no pátio da residência os cadáveres de Januário, do caixeiro e um não-identificado em avançado estado de putrefação.
Após da remoção de alguma terra, apareceram ossos das extremidades inferiores e da bacia de corpo humano; prosseguindo o trabalho de escavação, no fundo de uma cova com três palmos de comprimento e dois de largura foi descoberto o resto de um cadáver humano ainda envolto em roupa, porém em avançado estado de putrefação […].
No quintal, em um poço coberto de lixo e ramos verdes foram descobertos dois cadáveres, um de adulto e outro de menor, partidos em pedaços; estando as cabeças separadas dos troncos, estes mutilados e separados das extremidades, algumas das quais estão também mutiladas; ambos os cadáveres pareciam enterrados de pouco […]
Ambos os cadáveres estavam envoltos em roupas, e pelas pessoas presentes foram reconhecidos como os de Januário Martins Ramos da Silva e José Ignácio de Souza Ávila. Dentro do mesmo poço foi encontrado morto um pequeno cão de pelo preto […] reconhecido como pertencente a Januário.
A fim de encontrar mais provas para os atos criminosos, as investigações prosseguem pelos diversos cômodos da casa.
Foi encontrado, entre outros objetos suspeitos, a chave da venda de Januário, um par de botinas de criança, dois baús, mais tarde identificados como pertencentes a Carl Claussner, dois relógios de ouro, entre outros objetos de valor, objetos incomuns para um homem de poucas posses e sem profissão definida.
Mas havia provas mais importantes e comprometedoras. Na cama na parte exterior do travesseiro, junto aos pés, havia três nódoas de sangue como de mão suja que ali passou; sobre a mesma cama, que estava feita, um rodapé de casa manchado de sangue, porém mal lavado; no assoalho em frente à porta uma larga nódoa de sangue coalhado, com especialidade embaixo da cama […].
No passadiço por baixo da escada, dentro de um cesto entre outros objetos, uma escova e um trapo manchados de sangue ainda vivo.
No porão da cozinha encontram-se dois machados de cabo curto, um de cabo mais comprido e uma serra (CRA, 1993, p. 13).
Sobre o misterioso desaparecimento do comerciante. “Responde-lhe José Ramos, com um modo grosseiro, que nada sabia a respeito, negando ter andado em companhia do pobre taverneiro” (p. 96-97).
O delegado insiste no interrogatório e José Ramos cai em contradições comprometedoras, daí a polícia toma a iniciativa de fazer uma busca na casa.
O auto de perguntas feitas a Catarina Palse a respeito das mortes de Januário e do caixeiro José e o seu depoimento no dia da apreensão na casa são bastante esclarecedores quanto à forma com que se sucederam os assassinatos das vítimas, mas não revelam toda a verdade sobre os crimes.
Catharina Palsen afirma que na sexta-feira do crime esteve em sua residência Januário, proprietário de um estabelecimento, convidado por José Ramos para jantar.
Seriam quatro horas quando a interrogada declara ter saído para dar água às galinhas, e, quando voltou, achou o comerciante caído no chão. Depois disso, José Ramos o teria agarrado e arrastado para o porão. O homem tinha dois ferimentos na cabeça, sangrava muito e ainda estava vivo (CRA, 1993, p. 14).
Declara ainda que José Ramos, depois de ter depositado o corpo do comerciante no porão, já morto, saiu e voltou trazendo consigo um menino – o caixeiro de Januário –; os dois sentaram-se à mesa e puseram-se a comer.
Mais tarde, Catharina Palsen diz ter saído para falar com a “preta Senhorinha“, perguntar-lhe se tinha água para o mate e, quando voltou para a sala, encontrou José Ramos arrastando o corpo do menino, já morto.
O garoto também tinha duas grandes feridas na cabeça.
Catarina Palse ao ser questionada sobre o local em que José Ramos depositara os dois cadáveres responde que, depois de cortar os dois corpos em pedaços, Ramos os teria levado para o quintal e os atirado em um poço e coberto com areia.
A tudo isso Catarina teria assistido da janela da varanda. A pergunta sobre a quem pertencia o cachorro preto enterrado na mesma cova do homem e do menino, Catharina afirma que era de Januário, que o havia trazido consigo. José Ramos teria matado o animal à noite (CRA, 1993, p. 14).
A interrogada revela que o instrumento utilizado por José Ramos nos crimes teria sido um dos machados apreendidos na casa (CRA, 1993, p. 14).
O chefe de polícia Dário Callado mostra-lhe vários objetos, que ela identifica como pertencentes às vítimas. Nesse momento, pela primeira vez, Catharina Palsen cai em contradição. Diz reconhecer os botins que lhe foram apresentados, como pertencentes ao menino assassinado por Ramos. Afirma que estava na varanda quando José Ramos os atirou lá de baixo e que não sabia que ele matara o garoto também. Essa declaração não coincide com a anterior, de que encontrou o menino morto na sala depois que fora falar com Senhorinha.
Teria ouvido um gemido do garoto e barulho de alguma coisa caindo, lá embaixo, no porão. Foi então que José Ramos atirou os botins do menino e apareceu arrastando o corpo.
Frente ao que foi exposto, observamos no discurso da interrogada algumas contradições e omissões em sua confissão, pois era por demais, ingênua a explicação de que, quando Ramos perpetrava os dois crimes da tarde de sexta-feira, ela estava ausente.
Percebemos a estratégia de Catharina de tentar atenuar sua culpabilidade, alegando que fora mera espectadora dos crimes e confirmando apenas a autoria de José Ramos no assassinato de Januário e de seu caixeiro, cujos cadáveres foram encontrados no quintal.
Inquirida pela polícia, Catharina Palsen diz ter 27 anos, ser solteira, filha de Huberto Palsen, natural da Hungria, trabalhar como engomadeira e não saber ler nem escrever (CRA, 1993, p. 14).
No entanto, sabe-se depois que “Palsen” seria o sobrenome do marido falecido e não de seu pai. Declarando-se solteira, Catharina é referida no processo como amásia de José Ramos. Portanto, não pertencia ao que se convencionava chamar a “ordem formalmente estabelecida”.
Nota:
Observem que o nome de Catariana ou Catharina Palse, Palsen ou Paulsen, pode aparecer em diferentes formas dado as incertezas do português arcaico da época.
Logo, não apresentava o que se entendia por boa conduta, impressão esta agravada por declarações suas, no andar do processo, de que costumava sair à noite de casa e que uma das vezes voltara depois da meia-noite, fato estranho, pois nenhuma mulher se arriscava, em 1864, a andar à noite e ser rotulada como prostituta ou de sofrer algum tipo de violência.
No entanto, o depoimento da escravizada que atendia pelo apelido de Senhorinha, também moradora da casa da Rua do Arvoredo, compromete a versão através da qual Catharina Palsen procurou isentar-se do envolvimento nos assassinatos, trazendo novos e relevantes elementos para a elucidação do caso. Senhorinha confirma ter visto Januário sentado no sofá da sala com José Ramos.
Depois disso, teria saído para lavar roupas e, ao voltar, não vira mais o proprietário da venda, e sim encontrou Catharina Palsen lavando a escada manchada de sangue.
Quando ela perguntara de quem era o sangue, a patroa lhe teria respondido que era de uma galinha que José Ramos havia matado e jogado pela janela, de modo espalhara sangue pela casa.
Mais tarde, Senhorinha avista um menino sentado no sofá. Ao retornar à casa, não o vê mais (CRA, 1993, p. 19).
Outro indício que aponta para o envolvimento e a cumplicidade de Catharina Palsen nos crimes é o fato de ela ter trancado a porta da cozinha e a outra do meio da casa que dava acesso à sala. Provavelmente tenha feito isso para que José Ramos terminasse de esquartejar as vítimas que matara naquele dia.
Dessa forma, a lavadeira não podia sair nem para o quintal, nem para a rua.
Catharina Palsen, ao abrir as portas no sábado, teria justificado sua atitude dizendo que o menino que Senhorinha vira na sala andava fugido dos pais e José Ramos o tinha ido levar de volta para sua família, por isso fora necessário fechar as portas para que o garoto não fugisse novamente (CRA, 1993, p. 19).
Para a polícia Catharina Palsen dará outra versão; dirá que isso não tem nada a ver com os crimes cometidos por Ramos, e que fechou a porta devido a fumaça do mocotó que Senhorinha preparava naquela ocasião (id., ibid., p. 20).
Levando em consideração os indícios que apontam para o envolvimento de Catharina Palsen nos crimes, é de causar estranheza que sua pena tenha sido atenuada, pois se sabe que em 12 de agosto de 1864 o casal é condenado pelas mortes de Januário e do garoto, José Inácio.
Ela é condenada ao grau médio, ou seja, apenas doze anos e quatro meses de prisão, enquanto José Ramos é condenado à morte na mesma sessão, sentença que mais tarde será comutada para prisão perpétua com trabalho.
Mais estranho ainda, é o fato de Catharina Palsen nem sequer ser indiciada pela morte de Carl Claussner, fato que será também questionado por José Ramos, mais tarde, quando for julgado pelo assassinato do açougueiro.
Já a respeito do cadáver desconhecido em estado avançado de decomposição, Catharina Palsen afirma desconhecer, pois ela e José Ramos estavam morando na casa apenas havia sete meses.
No decorrer do dia da exumação na casa do casal, surge a hipótese de que os restos cadavéricos pertenceriam a Carl Claussner, estabelecido com um açougue, desaparecido em princípios do mês de setembro de 1863.
Em 27 de abril de 1864, o resultado do exame desses restos mortais aponta que a causa da morte não teria sido natural e sim decorrente de lesões ósseas no crânio, fraturas aparentemente produzidas por instrumento cortante e contundente como um machado (CRA, 1993, p. 46), talvez o mesmo que José Ramos tenha utilizado para matar Januário, o caixeiro e as demais vítimas em 1863.
Ainda segundo o exame pericial, os restos humanos pertenciam a um só indivíduo, do gênero masculino e maior de trinta anos.
De acordo com os peritos, os ossos examinados tinham mais de seis meses e menos de um ano de sepultamento, coincidindo com o mês de desaparecimento de Carl Claussner, setembro de 1863.
Ao analisar o crânio, pelos caracteres dos cabelos, que eram castanhos, finos, corredios e longos, julgavam que o indivíduo seria da raça caucasiana, características que conferem com as do açougueiro.
Mas realmente decisivo para a identificação de Carl Claussner foi saber que: […] os ossos próprios do nariz são grandes e apresentam uma depressão para o lado esquerdo […] nota-se, sobre as fossas temporais, e apófises mastóides na sorte de membrana que facilmente se despedaça, restos prováveis da pele e do plano muscular que reveste esta região: colado a esta membrana nota-se um brinco de ouro de forma circular (CRA, 1993, p. 46-48).
As testemunhas chamadas para prestar depoimento confirmam que Carl Claussner possuía esses traços especiais.
A primeira testemunha e amigo da vítima, Carl Schimdt, confirma o defeito no nariz no lado esquerdo, devido à cirurgia que Carl Claussner teria feito para retirada de um postema. Inclusive no passaporte da vítima constam tais características: além de uma cicatriz no olho esquerdo até a boca, possuía o nariz um pouco torto (CRA, 1993, p. 34).
Carl Schimdt ratifica ainda que o açougueiro usava um brinco de ouro na orelha. Essas evidências levam a polícia a concluir que o corpo encontrado no pátio de José Ramos era de Carl Claussner.
Nota:
Carl Schimdt conhece Carl Claussner por terem sido companheiros no mesmo açougue, durante oito meses, no ano de 1862, e a partir daí teriam se tornado amigos (CRA, 1993, p. 51).
O desaparecimento de Carl Claussner não causou suspeita, segundo declararam as testemunhas, por dizer ele, muitas vezes, que pretendia retirar-se para Montevidéu.
Frederico João, “segunda testemunha” chamada para depor, diz ao chefe de polícia que Claussner havia expressado que desejava ir para Montevidéu ou Buenos Aires, mas antes disso precisava juntar dinheiro.
Dias depois, ao comprar carne no açougue, para sua surpresa, lá encontrou José Ramos e Rathmann; – ao perguntar por Carl Claussner, José Ramos teria respondido que o açougueiro havia ido para a Colônia de Petrópolis e depois desse dia nunca mais tivera notícias suas.
Entretanto, a informação fornecida por José Ramos demonstra-se sem fundamento, pois foram apreendidos em sua casa diversos objetos pertencentes a Claussner e de seu uso habitual, dos quais não se separaria mesmo empreendendo longa viagem.
Ao serem apresentados os objetos encontrados na casa da Rua do Arvoredo a Schimdt, a testemunha reconhece como sendo de Claussner os dois baús verdes, e afirma ainda que a vítima no baú maior guardava roupas e no outro papéis e coisas miúdas.
Outros objetos também são reconhecidos como pertencentes ao açougueiro, entre eles: Um paletó de pano, três coletes de lã verde, uns aventais de algodão azul e um travesseiro, colarinhos e peitos de camisa, uma tampa de caixa de cartão e um mapa e a caixa de metal para relógio, e sendo quebrado o selo e mostrado o relógio contido na mesma caixa, reconheceu também como pertencentes a Claussner o relógio e o cordão de cabelo […] (CRA, 1993, p. 52).
Ao ser dado o direito ao réu de contestar, José Ramos nega serem de Carl Claussner os objetos reconhecidos pelas testemunhas. Tais pertences teriam sido comprados de colonos alemães havia mais de um ano e meio.
Ramos ainda declara ter comprado o açougue de Claussner e que teria levado para casa somente os objetos que encontrara abandonados no açougue, dentre eles, os dois baús reconhecidos pelas pessoas interrogadas como sendo do açougueiro.
Schimdt, ao observar a assinatura do recibo que supostamente Claussner teria assinado passando seu açougue a José Ramos, diz à polícia que não lhe parece a assinatura do amigo, pois ele escrevia sempre com caracteres alemães.
Em 09 de maio de 1864, o recibo será objeto de auto de exame e corpo de delito entregue à Justiça, pelos peritos Georg Pfeiffer e Rodolfo Appenzeller.
Tal exame concluirá que o comprovante “parece ser falsificado pela mão de José Ramos”, pois constataram que o nome de Claussner no recibo se distingue por erros, pois consta “Carl Klausen”, enquanto o verdadeiro nome, segundo certidão de batismo, era “Carl Gottlieb Claussner”.
Ao mesmo tempo, a letra e a assinatura no recibo “têm toda a semelhança com as do punho de José Ramos” (CRA, 1993, p. 63).
O fato de o comprovante ter sido falsificado constitui-se em dado fundamental na formação de culpa de José Ramos pela morte de Carl Claussner.
Ao ser questionado a respeito da escrita do recibo o réu nega a acusação de ter falsificado tal documento, assegurando que foi o próprio Claussner que lhe entregou o recibo quando lhe vendeu o estabelecimento (id, ibid., p. 66).
Nesse ínterim, Catharina Palsen era pressionada pelo chefe de polícia para que confessasse como se deu a morte de Carl Claussner e os motivos que levaram o amante a cometer tal ato.
Mas a pressão será pobre em resultados, pois Catharina Palsen alegará que sequer conhecera a vítima e ratificará apenas o que o chefe de polícia já sabia: Ramos vendeu carne no estabelecimento de Claussner por algum tempo.
Outro fator relevante que consta no processo criminal é que, ao tempo do crime cometido contra Carl Claussner, o réu Carl Rathmann era companheiro de José Ramos, residiam juntos, juntos estiveram no açougue e juntos removeram os objetos pessoais do estabelecimento. Rathmann foi visto no dia subsequente ao desaparecimento do açougueiro em companhia de José Ramos, pela sétima testemunha a depor, Carlos Lorenz, que afirmou ter presenciado Carl Rathmann servindo como ajudante de José Ramos no açougue da Rua da Ponte, depois que este supostamente o havia comprado de Claussner (CRA, 1993, p. 60).
Dessa forma, os indícios apontam para que o delito de José Ramos cometido contra o açougueiro também alcance, pelo menos na qualidade de cúmplice, o acusado Carl Rathmann, nas circunstâncias de morar este ao tempo do crime com José Ramos, conforme ele mesmo confessou, e por ter sido visto junto com Ramos no dia subseqüente ao desaparecimento de Carl Claussner.
Sobre o motivo de estar em companhia de José Ramos no açougue, Rathmann responde que: Tendo-lhe José Ramos dito que Claussner se havia retirado para Montevidéu, pediu a ele respondente que fosse para o açougue a fim de vender carne em suas ausências, o que ele respondente fez durante dois dias, isto no ano passado […], findos os dois dias o alemão Fetter não quis mais fornecer carne ao José Ramos, este resolveu fechar o açougue e mudar os trastes para sua casa (CRA, 1993, p. 64).
O réu nega a suspeita de ser sócio ou caixeiro de José Ramos, apenas reafirmando que ajudou no açougue por alguns dias, quando este lhe disse que o tinha comprado de Carl Claussner.
No entanto, as suspeitas sobre o envolvimento de Carl Rathmann no crime são agravadas pelo depoimento de Joaquim Antonio Machado da Roza, “sexta testemunha” chamada para ser ouvida, que revela: Havia oito meses ou dez meses o réu Carl Rathmann lhe entregou para amolar um facão de dois cabos e uma machadinha de açougue, ele testemunha amolou e entregou ao mesmo réu; no dia seguinte o réu José Ramos veio ter com ele testemunha e perguntou-lhe se tinha feito aquele serviço e por quanto, o que ele testemunha explicou-lhe (CRA, 1993, p. 58).
Em 15 de julho de 1864, depois de tomados todos os depoimentos das testemunhas e frente às inúmeras evidências que apontam para a culpabilidade de José Ramos, ele é acusado de assassinato.
Recaem-lhe as seguintes acusações:
O réu José Ramos:
- Teria em princípio de setembro de 1863, na Rua da Ponte, matado Carl Claussner em sua residência;
- Depois de ter cometido a morte, teria tirado para si por meio de violência todos os efeitos que encontrara na casa do açougueiro, parte dos quais foram apreendidos na residência do réu;
- Além disso, foi acusado de ter cometido o crime com premeditação, havendo decorrido mais de vinte e quatro horas entre o desígnio e a ação. Inclusive teria realizado o crime com abuso de confiança nele posta, e com isso empreendido o delito com surpresa;
- E depois disso, teria o réu fabricado e assinado o recibo, cuja falsidade foi reconhecida pelo exame pericial, para atribuí-lo a Carl Claussner e desse modo justificar a aquisição que fazia do açougue e mais objetos da vítima.
O réu Carl Rathmann:
- É acusado de ter concorrido diretamente para que José Ramos perpetrasse o crime;
Frente a essas acusações, foi pedida a condenação de José Ramos, segundo o código criminal, ao grau máximo, bem como a condenação de Carl Rathmann no grau médio e para que assim fossem julgados (CRA, 1993, p. 72).
Vale chamar a atenção para o fato de que Carl Rathmann é acusado somente para cumprir protocolos, pois será absolvido por unanimidade dos delitos dos quais estava sendo pronunciado.
As testemunhas são notificadas para depor na sessão do júri iniciada em 08 de agosto de 1864.
Foram sorteados quarenta e oito jurados para participar da sessão. Averiguou-se estarem presentes trinta e seis pessoas à sessão (CRA, 1993, p. 79). Destas, doze foram sorteadas na hora, após a impugnação de dois jurados pela promotoria e de outros seis pelos réus.
Quanto à qualificação dos réus antes do julgamento:
Consta que José Ramos disse ser filho de Manoel Ramos e de Maria da Conceição, ter 26 anos, ser solteiro, não ter profissão, ser brasileiro, ter nascido em Santa Catarina e saber ler e escrever.
Carlos Rathmann informou ser filho de Mellior Rathmann e Catharina Rathmann, ter 61 anos, ser casado, seleiro de profissão e de nacionalidade alemã. Sabendo ler e escrever, nasceu no Ducado de Essem, em Kassel (CRA, 1993 p. 49-50).
Defensores nomeados
José Ramos e Carl Rathmann declaram ser pobres e não ter quem os defendesse; assim, o Juiz nomeia como defensor do primeiro a Francisco Xavier da Cunha, e do segundo, a João Pereira Maciel, que aceitaram a nomeação (id., ibid., p. 79).
Foram notificados
Carlos Lorenz, Carlos Schmidt, João Ermano Adolfo Tehse, João Hugo Tehse, Antonio Fernandes da Silva, Frederico João, Antonio Lehmann, Joaquim, menor, filho de João Antonio Machado da Rosa (CRA, 1993, p. 77).
Sorteio do Júri
Foi mandado ao menor Delfino José Nunes que tirasse as cédulas cada uma por sua vez, e as lesse ao mesmo tempo em que eram extraídas.
Saíram sorteados para compor o júri os seguintes nomes: Candido de Albuquerque, Fernandes Gama, Manuel Ignácio Rodrigues, Luiz José da Fontoura Palmeiro, Francisco Ferreira Jardim Brasão, Domingos de Almeida e Oliveira, Luís Beltrão de Miranda e Castro, José Maria de Andrade, João Dias de Castro, João José Ferreira, Francisco de Paula Soares, Antonio de Lima Pinto e José Gonçalves Mendes Ferreira (CRA, 1993, p. 80).
No auto do interrogatório de José Ramos no dia do julgamento, constam, entre outros questionamentos, se o réu sabia o motivo pelo qual estava sendo acusado e se precisava de algum esclarecimento a esse respeito; José Ramos responde ardilosamente:
[…] que ele sabe que é pelo fato de acharem no porão de sua casa os fragmentos de um esqueleto que se supõe ser de Claussner, mas que ele respondente é vitima de indícios sem que haja uma prova convincente a respeito de sua criminalidade, sendo que muito se admira que a ré Catharina Palsen não tenha sido induzida no presente processo, sendo ela que governava a casa em que com ele morava e, admitindo ali diversas pessoas, é quem podia saber como se passaram esses fatos e dar uma explicação razoável, e que quanto a este crime e ao outro por que já foi condenado ele respondente é inocente, assim como também é pelo presente crime aquele que hoje comparece como seu cúmplice (CRA, 1993, p. 82).
Em vários momentos do interrogatório observamos nas respostas de José Ramos a tentativa de retirar de si a culpa pelos crimes e também de responsabilizar Catharina Palsen.
Afirma que quando chegou em casa estava sua mulher com Henrique, “o corcunda” que lá morava havia cerca de três semanas, sugerindo que quem poderia saber a esse respeito seriam os dois.
Ao ser questionado sobre as manchas de sangue na casa e no lençol de uma das camas, José Ramos sugere também que Catharina Palsen seria a pessoa mais indicada a responder, pois era ela que cuidava da limpeza da casa e da roupa suja.
O réu Henrique Rithmann, que também fora ouvido pela polícia, ardiloso, consegue despistar qualquer suspeita.
Ao ser questionado sobre Carl Claussner, nega tê-lo sequer conhecido; afirma desconhecer as circunstâncias da prisão de José Ramos, apenas sabia que haviam encontrado na residência dentro de um poço, carne, mas que seria de boi, e que essa informação obtivera de vizinhos de Ramos. (CRA, 1993, p. 18).
Henrique confirma que residiu na casa da Rua do Arvoredo por alguns dias, a convite de José Ramos, mas ressalva que no período do assassinato de Januário e de seu caixeiro José Inácio não estava mais morando na casa de Ramos, e que no dia dos tais crimes fora pela parte da manhã até a residência do casal deixar uma japona para Catharina Palsen consertar e no decorrer do dia não havia saído do hotel. (CRA, 1993, p. 18).
Depois de tomar seu depoimento, o chefe de polícia entende que Henrique não estava envolvido no assassinato do açougueiro e manda-o em paz, livre de qualquer suspeita.
José Ramos se mostrará extremamente dissimulado e calculista ao responder aos questionamentos do chefe de polícia, mas muitas vezes sustentará declarações inverossímeis e contraditórias, entre elas o fato de não saber como o corpo de Carl Claussner foi parar no porão de sua casa.
O réu Carlos Rathmann, ao ser questionado se teria algo a declarar ou se possuía provas que justificassem ou motivassem sua inocência, responde: Que não teve parte alguma nos fatos criminosos que se atribuem a José Ramos sobre o desaparecimento de Carl Claussner, e que por morar em casa daquele por ocasião do desaparecimento deste (a quem supunha ter partido para Montevidéu em uma viagem por lhe dizer Ramos) foi por dois dias partir carne no açougue em que José Ramos tinha ficado, a seu pedido, e como depois desses dois dias o alemão Fetter não quisesse mais fiar carne a Ramos este resolveu fechar o açougue e levar os utensílios para casa, cujo transporte ele auxiliou, mais que o fez sempre na melhor boa fé como em serviço que prestaria sempre a qualquer conhecido (CRA,1993, p. 83).
Em 13 de agosto de 1864, de conformidade com a decisão do júri, o réu José Ramos, é condenado à pena de quatorze anos e um mês de prisão com trabalho e a multa de doze e meio por cento do dano causado com a falsidade, pagos pelo mesmo à custa em proporção devida.
No entanto, não se pode deixar de estranhar a falta de unanimidade dos jurados quanto à culpa de José Ramos na morte de Carl Claussner (10/2).
Como regra, não há flagrante nesses crimes e isso permite a negação da autoria, negação que suscitará dúvidas nos julgadores quanto ao envolvimento do réu na morte do açougueiro, apesar de todas as provas arroladas e que incriminavam José Ramos.
Observamos também certa incoerência na votação de alguns quesitos, como por exemplo, se José Ramos teria tirado para si, por meio de violência, todos os efeitos que achou na residência da vítima.
Ora, há meio mais violento do que matar e esquartejar Carl Claussner, levar seu corpo em pedaços dentro do baú da própria vítima e todos os objetos de valor que encontrou na casa e ainda falsificar o recibo com a finalidade de justificar a aquisição que fazia do açougue?
Para grande surpresa, o júri, com quase unanimidade de votos (11/1), não acreditou que José Ramos tenha tirado para si por meio de violência os pertences do açougueiro.
Mais surpreendente ainda é o fato de Carlos Rathmann ser absolvido por unanimidade pelo júri.
Embora vários indícios apontassem para o seu envolvimento nos crimes, entre eles o fato de morar na casa de José Ramos no período do crime, estar com ele no açougue imediatamente após o desaparecimento de Carl Claussner e, segundo testemunhas, ter solicitado a amolação de um facão de dois cabos e uma machadinha do açougue, a mando de José Ramos, o júri entendeu por sua inocência.
É importante atentar também para o fato de que, das oito testemunhas inquiridas no Sumário, pelo menos seis eram imigrantes alemães e protestantes (Carlos Schmidt, Frederico João, João Hugo Tehse, João Herman Adolfo Tehse, Carlos Lorenz e Antonio Lehmann).
Cabe destacar ainda a presença de certa imprecisão na formulação das perguntas às testemunhas e até mesmo certo grau de indução de inocência na própria forma pela quais elas eram formuladas ou dirigidas às pessoas interrogadas. Nesse sentido, podemos citar uma das Carl Rathmann (CRA, 1993, p. 56).
Talvez esses fatores tenham favorecido a absolvição do alemão Carl Rathmann, ou seja, o fato de a maioria das pessoas ouvidas serem alemães assim como o réu e a forma como foi conduzido o inquérito no que dizia respeito ao seu envolvimento nos crimes.
Questão Étnica
Associado a esta classificação pode estar outro ponto propício à matéria-prima com que se criou a lenda do fabrico de linguiça de carne humana.
O fato de Catarina Palse e o próprio assassino José Ramos se dizerem descendentes de alemães e, com o desenrolar dos fatos, surgir a suspeita de envolvimento de outros alemães nos crimes (Carlos Rathmann e Henrique Rithmann), pode ter contribuído para “alimentar” o imaginário social em torno do episódio.
Retomam-se as múltiplas questões étnicas se a misturarem nos crimes da Rua do Arvoredo, que, enfocando a presença alemã na cidade, encontra a sua expressão maior de hostilidade.
Os portugueses da elite olhavam com desconfiança para os colonos alemães, que, quarenta anos antes, tinham se estabelecido no vale do rio dos Sinos e depois se espalhado para outras regiões, inclusive para a distante Torres, no litoral norte.
Os lusos desprezavam os imigrantes que se punham eles próprios a lavrar a terra, a levantar as suas casas, e por isso eram chamados pelos fidalgos portugueses de “negros de cabelos loiros”. (ÚLTIMA HORA, 07 mar. 1964, p. 10-11).
Em 1861, esse ódio se intensificou com a Questão Christie no governo Imperial.
Por esse preconceito racial, os imigrantes alemães se acoitavam em suas próprias colônias e mantinham-se distantes da língua portuguesa e da sociedade porto-alegrense.
A aversão contra o estrangeiro é crescente no Rio Grande do Sul, pois a figura do outro sempre causa mal-estar e medo; tais sentimentos se justificam, pois tudo o que nos é diferente causa estranheza e temor.
S. Dion chama a atenção para a seguinte constatação: “A figura onipresente do estrangeiro, do marginal, do desviante, é uma ameaça constante” (2008, p. 12), por isso deve ser contida.
Quando desaparece o português Januário da Silva, proprietário do estabelecimento da Rua da Ponte (atual Rua Riachuelo), as suspeitas recaem logo sobre os escravos e em seguida sobre os alemães. Isso porque “as acusações racistas e xenófobas, que repousam sobre o medo da diferença, portam sempre sobre quatro domínios, a comida, a violência, a sexualidade e o território, que são aqueles que uma sociedade regulamenta mais” (RENARD, 2002, apud DION, 2008, p. 10).
Para a população de Porto Alegre, José Ramos é um assassino alemão, estrangeiro, infiltrado entre os habitantes locais, que veio de longe para desestabilizar e perturbar a ordem e o sossego da cidade através de práticas amorais, tais como canibalismo, violência e perversão sexual.
No desenrolar do tempo, José Ramos perde a aparência frágil e debilitada descrita pelos jornais da época e, a partir das diversas re-apropriações dos crimes, assume expressões satânicas e passa a ser descrito como um monstro, uma besta-fera.
Repercussão do caso
Boatos dizem que o caso de José Ramos chamou atenção do mundo inteiro e que até mesmo Charles Darwin, autor da teoria da evolução das espécies, tomou conhecimento dos crimes e escreveu em Londres sobre o caso:
“Informa-se que no extremo meridional do Brasil, em uma cidade chamada Porto Alegre, um grupo de perversos matou várias pessoas, usando sua carne para fazer linguiça, que não só comeram como induziram os habitantes a comê-la. O temor de que a humanidade perca sua posição nobre e volte à bestialidade é infundado. Regressões ocasionais sempre ocorrerão. Há chacais adormecidos em cada homem”.
Charles Robert Darwin, foi um naturalista, geólogo e biólogo britânico, que escreveu sobre os crimes da Rua do Arvoredo.
O processo dos crimes da Rua do Arvoredo encontra-se hoje guardado no Arquivo Nacional (RJ), apesar da crença generalizada no sumiço de todos os papéis.
Segundo o historiador Décio Freitas, autor do livro O maior crime da Terra (Editora Sulina, 1996), os processos estão incompletos, são todos manuscritos e de difícil compreensão, o que torna a investigação do texto uma tarefa árdua.
Portanto, jamais se saberá se a história é completamente verdadeira.
Ao final do depoimento dado por José Ramos, o chefe de polícia, Dário Rafael Callado, não se convenceu da “história” contada por Ramos, e então decidiu investigá-lo. Como resultado, a polícia encontrou provas de que Ramos foi o verdadeiro assassino e que sua esposa, Catarina Pause, era a sua cúmplice.
Assinatura de José Ramos.
Repercussão do caso na imprensa
Na Europa, a repercussão do crime foi tão grande, que quando Charles Darwin teve conhecimento escreveu em seu caderno de anotações um curto comentário sobre o caso em Porto Alegre se questionando: “Se existe um chacal adormecido em cada homem?”.
Nota policial da soltura de Catharina Palse no jornal A Federação.
Detalhe do Relatório do Presidente da Província do Rio Grande do Sul do ano de 1864.
Importante lemrar que nessa história estamos na Porto Alegre do século XIX, com pouco mais de 20 mil habitantes. Todos deviam se conhecer e também construir, pelo que viam e ouviam a respeito dos crimes da Rua do Arvoredo, a sua própria versão dos fatos.
Entretanto, os primeiros meios responsáveis por construir o fato em narrativa e por manter os leitores informados sobre os últimos acontecimentos que sacudiram a cidade são os jornais da época, como O Mercantil, o Deutsche Zeitung, o Diógenes, entre outros.
O Mercantil foi o primeiro jornal a noticiar a descoberta dos crimes perpetrados por José Ramos em 19 de maio de 1864, que relata em primeira mão o ocorrido: “Ontem a população de Porto Alegre passou o dia sob a pressão de um horrível acontecimento. Perpetrara-se um crime revestido de horrorosas circunstâncias” (p. 2).
Jornal Mercantil noticiando os crimes da Rua do Arvoredo.
O Deutsche Zeitung, jornal publicado em alemão, um dia depois, fornece detalhes importantes aos leitores:
“Em nossa pacata Porto Alegre os habitantes tornaram-se testemunhas de crimes nunca vistos. Um antigo policial da corporação local de nome José Ramos, descendente de alemães e oriundo de Sta. Catharina, tirou de uma maneira terrível a vida de duas pessoas na sexta-feira dia 17 de abril. Ele soube atrair suas vítimas para sua casa, uma após a outra, quando as convidou para uma refeição amigável e as assassinou de forma assombrosa” (20 maio. 1864, p. 3).
O Deutsche Zeitung noticia a entrada da polícia no estabelecimento:
“Entretanto, nenhum vestígio foi encontrado, a não ser que a gaveta do dinheiro estava vazia. Depois de muito perguntar aqui e ali, o chefe de polícia ouviu que José Ramos foi o último a ter estado lá” (20 abr. 1864, p. 3).
A Revolta Popular
O Deutsche Zeitung noticia que no primeiro dia de interrogatório do criminoso e de sua concubina ocorreu um grande escândalo:
“Uma massa de pessoas aglomerou-se em frente à casa do chefe de polícia e exigiu a entrega do assassino para praticar a justiça popular. A situação foi tão longe que a massa mostrou sua violência por meio do lançamento de pedras e garrafas quebradas. Entretanto, foi dispersa pelas tropas que foram convocadas e conduziram o dito criminoso para a cadeia. Infelizmente houve feridos, tanto na massa quanto entre a tropa. Comenta-se inclusive que um dos feridos já teria morrido” (23 abril 1864, p. 3).
O Mercantil lamenta a atitude da população e lamenta mais ainda:
“A energia da autoridade no cumprimento de seus deveres, como a parte ativa que tomou a população porto alegrense, que lavrou um solene de tão sanguinária página em um lugar onde a paz otaviana reinava” (19 abril 1864, p. 2).
No relatório aos presidentes da Província, dirá o chefe de polícia Dário Callado que as praças
“a ninguém ofenderam, por se ter ordenado pontaria alta”.
Entretanto, nas suas memórias, o cônsul Caillois fornece versão diferente:
“A multidão se compunha de caixeiros de comerciantes portugueses, de pessoas habitualmente desocupadas e mesmo de alguns escravos. Sua cólera era muito grande e aparentavam não ter medo dos soldados. Os choques foram violentos e na altura do palácio presidencial morreram duas pessoas, uma das quais, um marujo fluvial e a outra um preto”.
– O Diógenes, por sua vez, posiciona-se a favor do chefe de polícia Dário Callado e exalta a sua atitude.
Segundo esse jornal, ao chefe de polícia não sobraria outra opção a não ser tentar conter a agressão por parte do povo, que se tornava ainda mais acentuada nas proximidades da cadeia.
Ainda segundo a versão jornalística, Callado estava apenas tentando cumprir o seu dever, dando ao criminoso a proteção e a inviolabilidade que lhe garante a lei.
O jornal argumenta que: “Não se mandou fazer violência ao povo, e que esses poucos casos de ferimentos acham a sua natural explicação na necessidade que tinham os soldados de defender-se”. (24 abr.1864, p. 2).
Podemos sublinhar que a revolta por parte da população está associada ao fato de os envolvidos nos crimes serem de origem alemã.
O Deutsche Zeitung referenda a informação de que o assassino era descendente de alemães (20 abr. 1864).
Com o desenrolar dos fatos, intensifica-se a suspeita da presença de mais alemães envolvidos nos crimes.
Inclusive, muitos alemães comparecem no tecer da narrativa, a circular em torno das vítimas ou do próprio assassino, que se auto-apresentou como descendente de alemães.
Henrique Rithmann não falava português, só lia e escrevia em alemão.
O alemão Carl Rathmann também morara por um período na casa de José Ramos. Deduz-se, então, que José Ramos e Catarina Pulse por entender e falar o alemão, teriam laços estreitos com os alemães.
Os jornais consideram também, entre as motivações para a manifestação violenta da população, a impressão horrorosa causada pelo assassinato duplo de uma criança e de um velho e o fato de ser de conhecimento público a brutalidade com que José Ramos atacava as vítimas.
Dirá o Mercantil:
“As horrorosas circunstâncias do crime se tinham espalhado, e o horror e indignação transbordavam”.
Quando fez dele vítimas um velho e uma criança. O requinte de malvadez tocou a seu auge nessa fera com forma humana. A impavidez no crime era extrema; depois de matar suas vítimas para roubá-las ainda as trucidava e esquartejava para melhor esconder as provas de seus feitos (MERCANTIL, 19 abr. 1864, p. 2).
Literatura
Em 1987, o caso inspirou a publicação do livro Cães da província, de Luiz Antônio de Assis Brasil. O livro conta a biografia do escritor dramaturgo José Joaquim de Campos Leão, conhecido como Corpo Santo. Junto com esta narrativa, Assis Brasil também incluiu paralelamente em sua história os crimes da Rua do Arvoredo. O livro foi republicado em 2010 pela editora L&PM Editores.
Em 1996, o historiador Décio Freitas publicou o livro O Maior Crime da Terra – O Açougue Humano da Rua do Arvoredo, pela Editora Sulina, após uma pesquisa aprofundada sobre o assunto.
Em 2004, o livro do historiador Cláudio Pereira Elmir publicou História Devorada – No rastro dos crimes da Rua do Arvoredo, pela editora Escritos.
Posteriormente, em 2005, a história dos crimes da Rua do Arvoredo inspiraria também o romance do escritor David Coimbra, Canibais: Paixão e Morte na Rua do Arvoredo, publicado pela editora L&PM Editores.
Audiovisual
No Rio Grande do Sul, o grupo RBS – afiliado da Rede Globo no estado – produziu um documentário sobre o caso. Um outro trabalho, feito de forma independente foi produzido.
Os crimes da rua do Arvoredo | Parte 1/2
Os crimes da rua do Arvoredo | Parte 2/2 – Final
Linha Direta Justiça: Os crimes da Rua do Arvoredo – 28/04/2006
Em 28 de abril de 2006, a Rede Globo apresentou um episódio do programa Linha Direta Justiça, dramatizando o caso. Os atores Carmo Dalla Vecchia e Natália Lage estavam no elenco do episódio do programa, como José Ramos e sua mulher Catarina. Como trilha sonora do episódio, foram incluídas algumas músicas do grupo inglês Radiohead.
Para reconstituir o crime, os trabalhos de pesquisa da equipe do Linha Direta foram amplos. A produção buscou informações nos arquivos públicos do Rio de Janeiro e de Porto Alegre e verificou desde recibos da época e os passaportes de Palsen e Classner, até as autópsias dos corpos das vítimas.
A Febre de Kuru
A série em áudio que recria lenda da Rua do Arvoredo com Silvero Pereira e Cleo Pires. “A Febre de Kuru” está disponível com exclusividade na plataforma Orelo e será dividida em 10 capítulos.
Em 1868, quatro anos após sua prisão, Catarina Palse faz um misterioso diário chegar às mãos do recém empossado chefe de polícia de Porto Alegre, Gervásio Campello. A promessa é que toda a verdade será revelada sobre os crimes cometidos pelo seu ex-companheiro, José Ramos. A Febre de Kuru é baseado na história verídica dos Crimes da Rua do Arvoredo, ocorridos em Porto Alegre entre 1863 e 64, e que fizeram do brasileiro José Ramos o primeiro assassino em série da história.
Uma série Original Orelo com Cleo, Lucélia Santos, Silvero Pereira, Negra Li, Reginaldo Faria, Arlindo Bezerra, Sérgio Mamberti, Ariel Palácios, Adriano Basegio, Eduardo Chagas, Rodrigo Cunha, Stefani Mota, Allan Jacinto Santana, Jean Matheus, Joaquim Carvalho, Daya Larissa, Luis Franke, Rodrigo Jubé. Direção – Toni Sader Trilha Sonora Original e Direção de Áudio – Marcos Gerez Assistência de Direção – Daniel Calil Produção Executiva – Cleo e Daniel Calil Roteiro – Toni Sader, Joaquim Carvalho, Flávio Vieira, Cláudio Simões e Débora Torri Produção e Elenco: Beatriz Rhaddour, Diego Timbó e Daniel Calil Locução: Silvana da Costa Alves Uma coprodução BICHO + CLEO + UNO CRIATIVO Recomendamos escutar A Febre de Kuru com fones de ouvido! 🙂
Considerações finais
José Ramos jamais admitiu ter cometido qualquer dos crimes por que foi condenado. Não se sabe ao certo quantos pobres diabos José Ramos matou. Nem os motivos que o levaram a isso, mas ele pode ser considerado o “primeiro serial killer brasileiro” de que se tem registro. Vale ressaltar que hoje não há certeza quanto ao local exato da antiga casa da Rua do Arvoredo nem do açougue.
Tradicional caminhadas de Porto Alegre Mal Assombrada, conduzida pelo vocalista e compositor André Neto da banda Lítera.
Texto e pesquisa por André Neto. | Fotos: Google e Wikipédia. | Andressa Guedes por texto sobre o canalibalismo e o blog http://lealevalerosa.blogspot.com/2012/
Nossas músicas estão em todas as plataformas pra ouvir grátis.
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