Saudade, Boate Kiss e nossa chegada no centro
A vontade de sair do Sarandi era mesclada com o medo do que iríamos encontrar fora dali. No lançamento de Um Pouco de Cada Dia, passamos a fazer parte da produtora Marquise 51. Foi quando saímos da Zona Norte e fomos pro centro de Porto Alegre. Começamos então a ter um certo reconhecimento na cena. Pra gente, estar ali era incrível, todo o rock gaúcho circulava por lá. Ficamos muito amigos dos guris da banda Identidade e o guitarrista Lucas Hanke (também sócio e produtor da Marquise 51), era quem cuidava da gente e nos ajudou pra caramba.
A nossa primeira turnê, nossos primeiros shows fora de Porto Alegre, começaram ali, ainda em 2009. Naquele mesmo ano, em um show em Caxias, recebemos a notícia de que o pai do Thiago tinha falecido. Era o nosso primeiro grande show fora da nossa cidade, estávamos todos muito emocionados. Assim que o show terminou, recebi uma ligação da namorada dele na época avisando o que tinha acontecido. Fiquei com a missão de dar a notícia e organizar nossa volta o quanto antes. Mas decidi não falar nada. Avisei os outros guris da banda e pedi pra que fossemos embora logo pra casa. Pensei aquela noite inteira sobre a música “Saudade”, a que não consegui escrever uma letra e não sei porque sugeri esse nome… justo ela, que o Thiago tinha dito que fez pro pai dele. Mistérios da vida. Ou não.
ÉRAMOS UMA BANDA DIFÍCIL DE VENDER
No ano seguinte, fizemos uma mini turnê pelo Rio Grande do Sul como banda de abertura dos Faichecleres, uma banda clássica de rock gaúcho que estava fazendo essa turnê de possível retorno às atividades. As bandas não tinham nada um comum, mas foi ótimo. Fomos bem recebidos. Ainda que muitas vezes diante de um silêncio e com finais de canções sem aplausos do público, a gente se divertiu.
A banda sempre fazia um fã ou outro, mas era muito pouco pra conseguir se manter ou impressionar quem quer que fosse, seja imprensa ou produtores. Começou a se criar um mito nos bastidores de que éramos uma banda difícil de vender, por não se encaixar em um estilo. Diziam que éramos pop rock demais pra se encaixar no gênero “rock gaúcho”. Aí a produção da gente tentava vender pra casas de shows de pop rock, mas os contratantes nos achavam muito rock.
KISS
Em 27 de janeiro de 2013, a tragédia de Santa Maria na boate Kiss abalou o Brasil. Naquela noite, 242 jovens morreram. Muitos lugares fecharam as portas. Existia e ainda existe muita coisa errada nas casas de shows. Muita gente mal intencionada se aproveitou do momento. Todos sofremos, quem não tinha um amigo ou conhecido lá, era amigo ou parente de alguém que tinha. O que já estava difícil, ficou pior. Apenas os grandes bares e teatros se mantiveram. A máfia do alvará assombrava os pequenos lugares e fazia vistas grossas aos que tinham mais poder. Enquanto isso, os jovens e pais vivendo o luto. Não havia respeito nem consideração por parte de muitos órgãos públicos e privados.
OLHAR PRA DENTRO
Não tínhamos clima pra fazer shows e nem as pessoas de irem. As bandas undergrounds ainda em formação de público estavam numa encruzilhada. Claro que, com o tempo, as coisas foram voltando, mas muitas bandas acabaram nesse período. Das que começaram a cena junto com a Lítera, no final da década de 2000, quase nenhuma restou. As que vieram na geração anterior a nossa já tinham um certo público e seguiram por mais um tempo, mas também perderam a força. Faltava espaço para shows e, para um contratante se interessar por ti, a banda tinha que oferecer algo novo, muito além do show. O espetáculo tinha que ser uma experiência.
A tristeza era geral, precisávamos de músicas mais alegres, que ajudassem as pessoas – e a nós mesmos – a se sentirem mais felizes, a saírem daquele clima pesado que pairava na música e na vida noturna. E nós, que estávamos tentando ser mais rock, vimos de camarote a decadência desse estilo. Não sabíamos mais como soar nossas canções. Era hora de olhar pra dentro.